NUNCA MAIS
NUNCA MAIS
Crónica de um dia
Do alto de uma ribanceira, sob a copa de uma velha oliveira, porque o sol queimava, ouço ainda a tua voz minha mãe, a me chamar.
E lá em baixo ao fundo, onde um rio era meu pequeno mundo, fecho meus ouvidos a outros ruídos, que acaso possam quebrar o encantamento daquele momento.
Os anos e a vida me carregaram para outros mundos; e hoje já cansado dos poeirentos caminhos andados, vez por outra desço até lá ao fundo, onde vou me refazer do cansaço. E, entre brumas, embora, vejo acenos e qual alarido de pardais de meus companheiros a convidar-me ainda uma vez mais, para um último mergulho, lá no poço do rio e que era fundo.
O sino da igreja soa horas que passam cheias de interrogações e com cheiro a mata virgem e orações não ditas.
No Cabeço da Almoínha, entre cerejas carnudas e vermelhas a transpirar de víço e volúpia, um melro matreiro assobia-me em tom provocador num poleiro, quase da altura de meus desejos.
Ah! E as pernas da menina da capital a extravasarem do maiô sua exuberante formusura, espicaçando de agudos desejos como espinhos do tojo bravo, as mentes e carnes
ainda virgens de toda aquela canalha miúda, rendida aos encantos daquela ninfa, perdida em águas tão remotas.
Um carro de bois geme descendo a ladeira, carregado de muitas canseiras, misturando seus bárbaros sons à beati-tude da música das ribeiras.
E, pelos caminhos que se entrecruzam entre horizontes de sonhos indefinidos, rodopiam piões entre geométricos traçados, que ninguém saberá o sentido, pois serão sempre incongruentes.
Mas, enfim, aquele menino já não tão menino, dormirá o sono qual pintaínho sob as asas da noite que não é negra, mas prateada cor da lua que a ilumina e que também ela, a lua, gosta de brincar nas águas do meu rio. E o lugar da Costa onde ficou a oliveira debruçada sobre o muro do tempo, sentirá também a amarga ausência da voz da minha mãe, que nunca mais há-de me chamar, nunca mais.
Eduardo de Almeida Farias
Do livro – ENTREMEIOS DE UM CAMINHO
Impresso n a Gráfica da UFPEL
ano 2003