Sobre Autores e Leitores - Sabemos Tudo
Fui dar uma olhada em "Demônios” de Aluísio de Azevedo.
Fiquei apaixonada pelo autor maranhense aos 15 anos quando, uma vez apresentada às primeiras listas de leitura para o vestibular, me encantei com “O cortiço”, “O Mulato” e “Casa de Pensão”.
Virei fã. Depois dos três, li outras obras, mas invariavelmente caio neles.
Calculo que já li cada um pelo menos 8 vezes. Não me importo. Faço isso com livros e filmes que gosto sem qualquer problema e sempre me empolgo da mesma forma.
Bem, mas lá estava eu, perdida em trevas tal qual o escritor do conto de Aluísio quando me peguei dissecando o personagem.
Imaginei como ele foi criado, quando surgiu, o que o autor pensava quando teve a ideia do conto e assim por diante.
Em questão de segundos me vi melhorando o cenário, dando mais cor ao quarto, resolvendo o problema do pobre moço e até mesmo dando dicas para o autor.
E, uma vez, tomada da crença em minha capacidade literária e crítica, quis ler um dos meus próprios livros e me avaliar como autora.
Os diálogos tomaram forma na minha mente, vi as cenas que criei e imediatamente passei a ouvir os personagens que saltavam das páginas.
Um processo impressionante... a capacidade em transformar ideias em emoções, traduzi-las em textos, em obras e por fim alterar, influenciar, provocar sentimentos e discussões em quem as lê.
Eu mesma já discorri sobre Saramago, critiquei James Joyce e sem sombras de dúvidas, daria dicas a Hemingway.
A que ponto chega a audácia de um leitor!
Mas isto tem uma explicação... Nós leitores nos envolvemos tanto com a obra que passamos a vivê-la, e, uma vez que fazemos parte dela, acreditamos que temos todo o direito de opinar, de mudar e até de melhorar.
O mais interessante ainda é quando você é o autor e discute com quem lê seus textos ou livros.
Já tive experiências muito boas com isto. Enquanto autora eu sei exatamente o que quis dizer em determinadas passagens do meus livros. Formei meus personagens, dei vida a eles e os coloquei em muitas páginas até dar forma e corpo ao livro.
Depois vem a leitura e a mágica do leitor.
Normalmente quando converso com alguém que leu alguma obra minha, fico fascinada com a interpretação completamente diferente do que escrevi e do que foi lido.
Os cenários que escrevo são transformados, os personagens reconstruídos e os desfechos totalmente diversos.
Há quem leia sobre um bandido e parte em sua defesa até o fim.
Há quem veja uma mulher indecente e se compadeça à espera da sua regeneração.
E há aqueles que leem sobre pessoas boas e ficam aguardando alguma coisa estranha à medida que o livro avança.
Alguns são impacientes e querem saber logo o final ou o que quis dizer exatamente quando escrevi sobre um dia qualquer em um hospital da periferia...
Há aqueles que acham que me inspirei em suas vidas e repetem insistentemente que escrevei sobre eles, ou, no mínimo para eles.
E há, ainda, os que me procuram nas páginas. Traduzem as frases como sinais do meu comportamento, vivências, paixões ou inspirações, esquecendo-se completamente da ficção.
É muito interessante e acho fantástica esta alquimia retirada das páginas de um livro.
Em uma destas discussões, passei mais de duas horas conversando com um leitor sobre o personagem principal de um dos meus livros.
O leitor, por algum motivo entendeu que não se tratava de “um” personagem, mas sim de “dois” e passou os 120 minutos seguintes, tentando convencer a mim, a autora, de que eu não tinha entendido direito meu próprio livro.
É engraçado, mas também demonstra o poder de instigação e de transformação do que escrevemos.
Portanto, quando me pego do alto do meu discutível conhecimento literário, apontando melhorias em Joyce ou criticando José de Alencar, me dou um desconto.
Sou leitora antes de tudo, nunca conheci estes autores pessoalmente e mesmo assim tenho sugestões fantásticas sobre suas obras.
Que coisa!
Já como autora, me delicio com pessoas que como eu, acreditam que entendem mais a obra que seu próprio criador. Mesmo que como parâmetro eu tenha apenas as minhas próprias experiências.
Não me preocupo com isto. Com tantas coisas positivas, esta é apenas mais uma das inúmeras e mágicas facetas de um bom livro e ao final, o que conta mesmo é o indicutível prazer da leitura!