No fim do horizonte
Quando a gente era menino, andava mato adentro, atrás de aventuras, caçando passarinho, tomando banho no açude, pescando traíras gordas que eram assadas ali mesmo nas pedras do lajeiro, enchendo o bucho de goiabas, mangas, azeitonas, pitombas, siriguelas, macaúbas, coco babão... era uma alegria quando algum de nós encontrava um pé de caju carregado! Naquele tempo tinha-se a impressão de que os dias eram mais longos, as tardes majestosas, verdes, o céu de um azul profundo. O vento rodopiava nas estradas levantando colunas de poeira e folhas secas. Às vezes observávamos um silêncio enorme, como se o tempo parasse literalmente. Ouvíamos apenas um longo assovio dentro dos ouvidos. Os mais velhos diziam que quando alguém estiver no meio do mato e o tempo parar assim, carecia de ter muito cuidado para não ser "encantado" e sumir para sempre.
A gente conhecia muitas histórias de meninos que tinham sumido e que nunca mais apareceram. Meu avô, muito temeroso, apesar de ser um homem valente e corajoso, contava-nos sempre uma história de um vaqueiro que saiu muito cedo de casa para tanger a boiada. Ele costumava levar na garupa o filho dele, que tinha uns dez anos de idade, que era para o menino aprender logo a lidar com o gado. No meio do mato ele sentiu o tempo ficar parado, ouvindo apenas um assovio longo no meio da estrada. O cavalo estancou e o garoto sumiu da garupa como por encanto. Depois disso o menino nunca mais apareceu. O vaqueiro enlouquecido, passou o resto de seus dias a procurar o filho no meio do mato, sem nunca mais o ter encontrado. A gente morria de medo, mas mesmo assim, se entranhava dentro do mato, revigorados pela sede de aventura e à cata de mistérios.
Ouvíamos dizer que, se subíssemos no alto do serra do boqueirão, poderíamos ver o mar. Ora, que aventura melhor do que aquela? Meu avô dizia que era verdade e que uma vez subiu e viu mesmo lá do alto, a linha azul do mar. Mas nos desencorajou.
No meio do mato fechado, antes de chegar ao boqueirão, tinha uma casa antiga onde morava uma velha catimbozeira. O povo dizia que ela era leprosa e por conta dessa doença vivia isolada. Outros dizia que não, que ela não era leprosa, coisa nenhuma. Na verdade era uma feiticeira que roubava crianças nos sítios e arrancava as orelhas, somente as orelhas e fazia com elas um colar. Muitos meninos apareciam sem as orelhas, outros nem apareciam mais, pois a velha gostava de comer os meninos mais gordinhos e rechonchudos. Depois dessas histórias, quem é que tinha vontade de dormir?
Meu avô atiçava a fogueira e contava as mais estranhas histórias que ele sabia e que tinha ouvido alguém contar. O vento frio cortava a pele e uivava na copa das árvores, assoviando no telhado. A lua prateava o sertão e de vez em quando tempo parava. Minha avó se encolhia enrolada em uma manta de crochê e meu avô, iluminado pela fogueira, com brasas dentro dos olhos, começava outra história de arrepiar os cabelos.
Aí a gente ficava com medo de subir a serra e ficava no alpendre até tarde da noite olhando para a serra azulada, lá no fim do horizonte, imaginando que lá de cima, dava pra ver a linha azul do mar.