O escritor e a ficção
O escritor brinca de Deus a cada palavra escrita, a cada frase formada, a cada texto acabado. Em prosas inacabadas. Em páginas perdidas. E isso tem a ver com a sua impotência diante de seu próprio destino. A incapacidade de, em certos momentos, traçar os caminhos. Suas vontades frustradas são refletidas nas ações e reações dos personagens. Os sonhos esquecidos, deixados para um depois que nunca chega, são realizados na ficção. É uma maneira de alcançar a sensação de plenitude. Irreal, sim, mas trazida para a vida como se dela fizesse parte.
O autor se transfigura e figura como Destino. Com “dê” maiúsculo. Personagem que ninguém vê ou ouve, mas que também está ali, presente nas narrativas. E, nesse momento, o escritor se torna parte de sua invenção. Escolhe os caminhos a partir do que gostaria de viver. Deixa as palavras fluírem por seus dedos, enquanto a emoção e a razão, cansadas da vida superficial e monótona, se unem e constroem uma história que, por vezes, o autor gostaria que fosse a sua.
Quantos personagens largaram suas vidas em busca de algo que julgaram que lhes fosse dar prazer? Quantos finais de possíveis tragédias deram lugar à felicidade, nunca imaginada por aqueles que acompanharam a obra? Quanta coragem carrega um ser humano na ficção? Faz-se isso, afinal, para alento de corações cansados de lutas inglórias. De causas vãs. De deixar para depois e perder. De não poder escolher livremente o caminho e se livrar de amarras invisíveis e devastadoras. Para trazer paz às mentes amedrontadas e frágeis, desestimuladas pela vida e suas implacáveis desventuras.
O autor não escreve para o público. Ele escreve para si. Para acalmar seus conflitos. Cria universos, pessoas, histórias, sentimentos e vidas para dar vazão a seus temores, angústias, medos. Desliza os dedos sobre os teclados para não se descontrolar e perder a razão em nome da emoção. Inventa para alimentar a sua alma, carente de novidades e de prazeres perdidos. Abre mão da racionalidade e se entrega à sensibilidade por meio de um mergulho na ficção para suprir o vazio causado pela não-ficção em que é obrigado a existir. Dá aos personagens rumos que não podem ser os de sua realidade.
O escritor, ao final de mais uma história, é forçado a retomar as demais atividades a que se dedica, deixando de lado o exercício de criação. Contudo, outras narrativas invadem a sua cabeça para lembrar-lhe que a vida no mundo real continua, mas a ficção estará ao seu lado, pronta para entrar em cena quando o cotidiano se tornar denso e mecânico. Quando a sensibilidade estiver prestes a escapar. A ficção diz, com cumplicidade característica, que estará pronta a abraçar o autor e oferecer-lhe outras vidas para cobrir os descaminhos de sua própria jornada.