AS CHUVAS

Outra vez estou falando sobre as chuvas. É que, ao contrário de ontem, sábado, em que o firmamento estava plenamente azul, com raras nuvens brancas e plúmbeas a passearem no espaço, hoje, domingo, dia 30 de março deste 2014 que corre célere, o céu está totalmente encoberto por nuvens prenhes d’água, ora chovendo, ora apenas neblinando, com intervalos sem qualquer gotejo. Agora, às dezoito horas, pelo que vejo através do vidro da janela fechada embaçado pela água, está chovendo forte. As chuvas, para mim, são sempre recordativas e me enchem a alma de saudades, saudades de um tempo perdido na distância, saudades do Obery menino, que tomava banho de bica nas tardes de chuvas grossas e orquestradas pelos fortes trovões consequentes dos relâmpagos que cortavam o espaço, trovões que raramente se ouve aqui em Natal. Os domingos, não sei por que razão, sempre - mas especialmente agora, na velhice - foram para mim dias indefinivelmente melancólicos, ainda mais quando são assim, como hoje, chuvosos, com gotas que por vezes me parecem lágrimas a caírem de um céu triste. Não sei a que atribuir esse sentimento.

Às vezes desenha-se no céu – já os vi aqui em Natal - um arco-íris. Você já deve tê-los visto. Minha mãe – me lembro - costumava afirmar que era um sinal que Deus deixara, sinal que simbolizaria a aliança entre Ele e seu povo, de que aquele belo arco sobre as nuvens que pressagiassem um novo dilúvio ou uma perigosa tormenta, se dissipariam. E ainda hoje existe quem assim veja aquele belíssimo e multicolorido arco que se forma no céu, também chamado arco-celeste, arco-da-chuva, entre outras denominações. Na verdade, cientificamente, “é um fenômeno ótico e meteorológico que separa a luz do sol em seu espectro quando brilha sobre gotas de chuva. Seu exterior é vermelho, e violeta no interior. A ordem completa é: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta.” O poeta J. M. Cunha Lima, paraibano, no soneto “Setas do Arco Iris”, diz no primeiro quarteto: “Do arco celeste as pontas para o chão/ Estão voltadas, o que quer dizer,/ Segundo Santo Ambrósio, que razão/ Não temos certamente de temer.”

Tive notícia, agora, através de telefonema de minha filha Silvana, de que choveu muito ontem em Mossoró (tanta vontade que sempre tive de ver uma boa chuva em Mossoró!), mas o dia hoje, lá, está assim como este de Natal. E tenho tido informações de que há chovido regularmente em toda a zona oeste do nosso Estado. Se se confirmar uma estação chuvosa neste 2014, fica quase comprovado que os anos terminados em “4” são bons de inverno, pois o foi no de 1924, ano em que nasci; no de 1934 as águas do nosso rio transbordaram e alagaram todo o vasto espaço em torno da centenária Cadeia Pública, chegando a alcançar a calçada da Igreja Assembleia de Deus, onde terminava a então velha e saudosa Rua Pe. João Urbano, hoje Av. Dix-sept Rosado, com muita gente tomando banho, inclusive eu. Os anos de 1944 e 1954 foram igualmente chuvosos e, em 1974, quando morávamos em Caruaru, numa viagem de lá até Mossoró, tive que atravessar o carro em uma balsa, pois as forças das águas do rio que corta o município de São José de Campestre haviam levado a ponte. Bem, todos esses anos terminados em 4 foram bonançosos. O de 1964 foi de chuvas regulares. Seria um fenômeno cíclico ou mera coincidência?

Pois bem, como estive dizendo no primeiro tópico, as chuvas mexem comigo, molham a minha alma com gratas lembranças da minha meninice. As chuvas foram tema de versos de um poema de Cecília Meireles, em seu livro Flor de Poemas: “Lá em cima pastam nuvens no ar cinzento/ bois aéreos calmos e tristes/ que lavram o esquecimento.” Também outros poetas foram buscar nas chuvas inspiração para os seus versos. Até o grande poeta português/universal, Fernando Pessoa, num de seus poemas diz: “Chove. Há silêncio porque a mesma chuva não faz ruído senão com sossego.” Raul Seixas cantava: “Eu perdi o medo, o meu medo da chuva, pois a chuva voltando pra terra traz coisas do amor.” Já Florbela Espanca, em Sonetos, escreveu: “Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,/ dizendo coisas que ninguém entende/ De tua cantilena se desprende/ Um sonho de magia e de pecado.” Pois é, meus amigos, as chuvas, os relâmpagos e os trovões, como dizia Vicente Canuto, nosso velho e santo amigo, são coisas de Deus.

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 08/04/2014
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