Quem não tem colírio..?

Acredito que entre os sentidos daria um pouco de preferência à visão. Não sei o que seria da magnitude do Universo se não tivessem admirados, visualizadores dessa obra-prima, prefiro enxergar tudo o que está ao meu alcance. Ouço alguns ditados que assinto e ratifico, os olhos são sim as janelas da alma, mas que casa deve abater nossa enorme alma, se é que ela existe. Verdades são sempre mais reais quando se olha nos olhos, mentiras doem mais quando são contadas olho nos olhos, e a vida sempre mais intensa, rápida, inexorável, num piscar de olhos.

Começo a entender detalhes da obra de Deus que são os seres humanos, o destino de sempre tão furtos caminhos, sempre acabará numa cegueira, e começará com olhos perfeitos. É muito fácil, mas delicado perceber que ao nascer todas as crianças têm olhos claros, penso que seria o reflexo do Céu, de onde elas realmente vieram, é num reluzir dessas íris que vem o novo, o esperançoso, o gás que a geração atual precisa para continuar. E para morrer devemos nos desligar das coisas mundanas, parar de ver, descansar as pálpebras, tirar o peso dos cílios, fechar as janelas da alma, cansada.

Também ponho minha fé no homem e seus aparatos, e sua imaginação, e sua, muitas vezes tendenciosa, engenhosidade... Os óculos, instrumentos tão simples que deveriam corrigir nossa visão, e quantos tipos de óculos existem, cores, lentes, design diferentes. Compartilho da opinião dos que inventaram os óculos como acessórios, mas discordo de pessoas que se escondem atrás de marcas e não veem a verdadeira realidade por trás das lentes. Nasci, assim como todos, com os olhos bons, prontos para a vida, mas acredito que no pouco tempo que tive já precisei de lentes... Minhas visões distorcidas, meus preconceitos, minha generosidade, me fez bater em obstáculos maiores, tropeçar em minhas pernas, não ver o mundo.

Lentes corrigem a visão! E que bom que as temos, hipermetropes, pessoas já marcadas pela superficialidade, devem colocar suas lentes para aprofundar, ver de perto, sensibilidade é mesmo o que lhes falta, ou generosidade demais, você só tem dois braços e a orfandade do mundo, compartilho de seu sentimento estranho de não poder ajudar a todos. E, para aqueles que não conseguem a profundidade, os detalhes, sempre importam, vocês não devem deixar de elogiar o corte de cabelo de sua mulher, nem muito menos esquecer de dar aquele “Boa sorte” num dia importante de seu marido... Essas coisas fazem a diferença.

E você, que assim como eu, sofre de miopia, tenhamos paciências, levemos a vida de um jeito mais leve, nos apegamos aos detalhes e vemos sem nitidez toda a situação... Fazer o quê se somos detalhistas? Pecamos por excesso, nos prendemos a futilidades quando o mundo lá fora impera num reino sem luxo, e para enxergar basta colocar nossas lentes divergentes... Fácil demais, simples demais. E para os astígmatas, falta foco para nós, esquecemos de medir as ações, esbarramos em exageros ou desmedidas, o que nos desequilibra são as minucias nas horas erradas, a extrema calma na hora da correria ou o desprezo a quem mais precisa de nós... Desesperados para ajudar, novamente, infelizmente, somos limitados, e nossas almas grandes demais para esse espaço diminuto que chamam nosso âmago.

Como explicar a catarata, falam que é um pequeno embaçamento da visão, uma pequena mácula na vida, e quem não a tem? Acho que a catarata se caracteriza como um arranhão que não pudemos suportar, a gota d'água, o aviso de que vamos ser obrigados a fechar os olhos. Não é raro ver a catarata em pessoas mais velhas, são aquelas ventanias, o estresse, a paciência em escassez e experiências em demasia, embaçamentos da alma. É o aviso de que você está sendo moldado pela sociedade em que vive, está cedendo demais, se preocupando demais, viu demais, é a sua chance de fechar os olhos, de um jeito bem torturante, sim, mas a natureza sabe o que faz. Mas, somos sempre engenhosos, temos de alterar tudo o que nos é dado, até que paramos num Elixir da longa vida ou numa Pedra Filosofal, pois, no fim teríamos múmias, nervosas, cegas e loucas... Anos de vida.

Que bom que somos humanos, que bom que inventamos sempre, que bom que não nos acomodamos nunca, é preciso sempre se adaptar ao que nos é dado, acho que sou testemunha disso, em meio a focos e embaçados, postes e janelas, decepções e partos, vejo a vida mudar, vejo o mundo, o Universo se refaz num piscar de olhos e eu admirando, já pisei demais em meus percalços, tropecei em obstáculos inexistentes, muitas vezes passei por revoadas que me fizeram embaçar os olhos torpes, poderia desistir, coloco meus óculos de bem viver, corrijo minhas anomalias e tento sempre enxergar o sempre o lado das coisas que me farão ficar de olhos aberto sempre... Iluminando minh'alma.

Gabriel Amorim 26/03/2014