O TEMPERAMENTO HUMANO
Dei a esta crônica o título de “O Temperamento Humano”, mas fiquei pensando: haveria algum outro temperamento que não fosse o humano? Sinônimos de temperamento podem ser, entre outras expressões, índole e personalidade. Já o instinto se manifesta mais nos animais irracionais, mas pode ocorrer no homem ou na mulher. Devido a incidente ocorrido, há alguns anos, entre mim e um ex-vizinho, ocorreu-me tentar falar um pouco, hoje, sobre o tema que encima esta crônica. Não pretendo escrever uma tese, absolutamente, pois é impossível conhecer o âmago da consciência humana. Pretendo, apenas, relatar as minhas experiências nas convivências mais díspares, dos humores mais difíceis, supondo-me, assim, em condições de discorrer um pouco sobre a característica individual de muitas das pessoas que conheci, não as nominando, naturalmente. Desde criança, sempre fui um observador do modo de ser de cada pessoa com quem convivi. Minha mãe tinha um temperamento doce: não conheci ninguém que tivesse mágoa dela. Já o meu pai, talvez por lidar, ao longo da vida, com dezenas de pessoas, às vezes se excedia um pouco em suas reações no trato com elas, porém nada que gerasse ressentimento, e muitas delas se tornaram seus amigos, algumas até costumavam frequentar nossa casa para um papo, um cafezinho.
Houve um período em que se formou em Mossoró uma colônia sobralense, por influência de um conterrâneo que, vindo de Sobral em 1870, ficou muito rico e atraiu muitos parentes e aderentes, entre eles os meus pais. Destaco aqui dois, entre os que conheci mais de perto, para falar sobre seus temperamentos: o primeiro era uma pólvora, explodia por qualquer coisa, embora, frequentemente, logo se arrependesse e pedisse desculpas. O outro era o homem sorriso, nunca o vi aborrecido. Ainda que alguém se agastasse com ele, sua reação era rir; tratava-me como a um filho e eu lhe queria muito bem.
Na rua da casa em que nasci morava um vizinho, cujo nome faço questão de citar: Augusto da Escóssia. Ele e sua mulher, dona Alaíde; não sei qual a melhor criatura. Ele a era a simpatia em pessoa e dona Alaíde, uma santa: jamais alguém a procurou, até para vestir defunto, a qualquer hora, que não fosse atendida – e olha que eram da elite social. Excelentes temperamentos. Já uns vizinhos quer tivemos por um tempo do lado esquerdo eram o oposto. O dono da casa era taciturno, a dona – Deus me perdoe a expressão - uma megera. Há um provérbio que diz: Deus te livre do mau vizinho. É verdade: um mau vizinho pode causar muitos dissabores.
Quando menino tinha na minha rua um grande número de amigos, companheiros de brincadeira; dois, entretanto, tinham temperamentos irascíveis, uma má índole, diria até, um instinto perverso. Não sei dizer aqui as razões do meu julgamento, pois não sou psicólogo, mas acredito que era um sentimento comum aos outros. Quando algum deles se aproximava da turma de amigos, todos se precaviam.
Vamos dar um salto no tempo e chegar à fase do Ginásio Santa Luzia. A minha turma era de quarenta alunos. Dava-me bem com quase todos, mas havia alguns poucos de temperamento um tanto difícil. Dois eram verdadeiramente pernósticos, não sei por que razão, pois nem ricos eram. Apesar disso, eram inteligentes, bons alunos e, pelo que soube, foram bem sucedidos na vida.
Dando mais um pequeno salto, chegamos ao meu tempo de Banco do Brasil. No Banco, ao longo dos meus mais de trinta anos, lidei com várias dezenas de colegas. Enquanto simples funcionário, quase não tive dissabores, mas, a partir de quando comecei a exercer cargos de chefia, me deparei com uma gama de caracteres ou temperamentos os mais diversos. E como era ou foi difícil! Graças a Deus, sempre tive a habilidade necessária para sair-me bem de todos os problemas. Tanto me dei bem com os gerentes sendo eu o subgerente, como com os subgerentes, sendo eu o gerente. Houve um subgerente que até foi meu contemporâneo no Ginásio Santa Luiza e com quem sempre soube ter boa convivência. Ele tinha um temperamento um tanto irascível, mas creio que Deus me deu o dom de saber lidar com os sentimentos das pessoas com as quais convivi. Certa vez a Direção Geral o convocou para um curso de relações humanas. E eu até disse a um colega, reservadamente: ele pode fazer dez cursos dessa matéria, mas não mudará o seu temperamento, seu modo de ser e de agir. Isso é dele, é uma coisa inata que não se corrige facilmente. De fato: logo que retornou, houve um episódio que em foi necessária a minha intervenção para apaziguar os ânimos.
Pois é. A pessoa humana é de difícil análise; cada ser é uma incógnita. O assunto vem sendo estudado há mais de dois mil anos, principalmente por filósofos. A teoria do temperamento foi criada pelo chamado Pai da Medicina, Hipócrates, no século V a.C., que admitia, resumindo, quatro humores fundamentais: sanguíneo, fleumático, bilioso e melancólico. Também Platão, Aristóteles, Plutarco e outros pensadores no seu tempo, estudaram o tema, mas não cabe aqui alongar-me a respeito.
Houve um morador de minha antiga rua, taciturno, de semblante sempre carregado, que não cumprimentava ninguém, um misantropo. Não sei se algum problema em sua vida lhe teria afetado o humor. Devia ter uns 70 anos; foi encontrado morto, só.
Expus a minha experiência com as muitas centenas de pessoas com as quais lidei ou que simplesmente conheci, numa tentativa de ter contribuído com alguma ideia sobre o tema. Conforme já disse antes, cada pessoa é um enigma, certamente devido aos fatores selecionados pelo sábio Hipócrates. Mas, conforme é sabido, outros fatores poderão influenciar no seu temperamento, como, por exemplo, o ambiente familiar em que nasceu e se formou a sua personalidade, as influências externas de amizades, benéficas ou perniciosas, e outros possíveis fatores.
Natal, O3.04.2014