Lógica do amor...
Arrisco todo o meu ouro, dou meu amor como garantia. Para encontrar um tesouro, e não bijuteria. (Kid Abelha)
A afirmação caiu como uma bigorna por sobre a consciência de Carla, minha amiga. Pois quando se diz em voz alta, algo de forma tão crua para espíritos despreparados, a realidade da afirmação se torna um choque entre dois mundos. Carla, lançada recentemente em um lindo romance com um grande amigo meu, não estava preparada para ouvir de forma tão fria que o meu espírito não acredita mais no amor. Não é apenas decepção, é conclusão lógica, e sim, eu sei que é dolorido ouvir. Mas antes que me apedrejem, deixe-me expor meus pontos.
Há alguns anos escrevi um texto que afirmava que no amor não há reciprocidade, que amar é um trabalho solitário, que não depende de retorno. Ainda acredito nisso, no se doar sem esperar nada em troca. Mas o amor, essa entidade mística e enigmática que insiste em nos observar pela janela, balançou seus arquétipos frente ao meu nariz e, sorridente, me prenunciou que o buraco é mais embaixo. E foi assim, cavando a podridão dos desencontros da vida que cheguei à pesada afirmativa de que não acredito no amor, nesse que idealizamos quando estamos frente ao púlpito de um casamento, frente aos olhares encontrados dos flertes. Não, nesse tipo de amor é necessário sim reciprocidade, eu estava errado em colocar tudo em um balaio só. Aderindo a uma idéia de C. S. Lewis e aplicando-a ao amor, vejo que não há mutações neste. O amor, da forma que eu sentia antes, ainda continua em mim, por isso minha crença na não necessidade da reciprocidade. Mas hoje, consigo perceber que em alguns casos, não raros, é necessário sim. Em certo ponto, o amor, só é amor quando vivido a dois. E é ai que começa todo o problema, toda a questão está em se achar a verdadeira reciprocidade para que este tipo de amor possa existir como fato. Encontrar alguém que entenda o que o amor faz com as nossas vidas, e o que ele muda em nós.
Um ponto importante é que o amor é extremamente contrario a posse. Então amigo, pense. Você é capaz de deixá-lo, ou deixá-la ir? A felicidade da criatura amada esta em primeiro lugar? O ciúme em seu peito tem a ver (relação) com proteção ou posse? O verdadeiro amor não aprisiona. Não é que não vá doer deixá-la ou deixá-lo partir, mas o amor verdadeiro é capaz de dizer que prefere ver o objeto amado feliz ao lado de outro do que infeliz conosco (Mas se for amor, ele (ou ela) nunca vai embora). Em seu universo nada é mais importante do que a felicidade de outrem. Mas, para ser amor, esse sentimento vai precisar encontrar ecos no objeto amado, é como ver sua própria imagem refletida no espelho, precisa ter retorno, pois se não for assim não é amor, é dor. Talvez por isso Victor Hugo tenha começado sua lista de desejos por esse tema – “Desejo primeiro que você ame, E que amando, também seja amado. E que se não for, seja breve em esquecer”. - E você vai desejar, profundamente esquecer. Os conceitos acima são da forma mais grotesca, a base do amor...
Mas o buraco é mais embaixo.
É necessário conhecimento de si mesmo. Saber-se ver. Entender como o seu universo e o universo do outro funciona. Pois nossas particularidades nos fazem únicos, e é preciso entender isso. Somos feitos de um misto de qualidades e defeitos, cicatrizes e sonhos. O autoconhecimento é necessário para entender o que é amor em nós. Como assim? Você me perguntaria, claro, se pudesse interromper este meu monólogo, mas graças a Deus você não pode. Porém lhe digo que há confusão no mundo. E as pessoas estão confundindo o que seria um simples defeito, com falha de caráter. Amor, com empatia. Esse conhecimento de si mesmo é importante, simplesmente por que o amor possui particularidades insanas. Por exemplo, tome o filme “E se fosse verdade”, baseado no livro de Marc Levy. Arthur, o personagem principal, é questionado sobre como era sua falecida esposa. E do que é recheada a lista montada pelo personagem? Bingo! É um catalogo de defeitos. Ele não conseguia lembrar-se das qualidades da esposa, mas de todos os defeitos que a faziam única. Defeitos estes que muito provavelmente repeliam as outras pessoas, porém o atraíam profundamente. E me digam se não é verdade! Selecionem de suas listas, amores que acham serem verdadeiros e listem o que se lembram do objeto amado. Muito provavelmente sua lista terá muito mais defeitos do que qualidades. E isso é brilhante! Só o amor é assim capaz de ver beleza nos defeitos alheios. Pois esse amor que precisa ser a dois, tem que lidar com as falhas na programação do outro universo e só você vai conseguir ver beleza nisso!
Por favor, não confundam defeitos com falha de caráter. Defeito tem muito mais a ver com a programação de seu sistema, e te torna quase incapaz de executar certas coisas com um nível de coerência. A esposa de Arthur, citada acima, não conseguia manter o foco, e trocava compulsivamente os canais da televisão, não conseguia acompanhar o nível de combustível do carro e fazer a manutenção dele. Quantas pessoas você já não se relacionou, que possuem um nível de organização duvidoso. Ou que não conseguem dizer não e por isso se complicam com promessas. Eu poderia enumerar centenas de defeitos. Mas nenhum deles seriam falhas de caráter, pois este tem uma particularidade que não cabe no amor, a falha de caráter machuca. E um dos alicerces do amor esta no bem estar do outro. Então, descarte do cesto do amor aquela situação – Ah, ele sempre me traiu, sabe que isso me magoa profundamente, mas sei que me ama! – Não, não te ama, o amor não produz dor conscientemente. Não que as pessoas não vão errar. Aquele texto tem certa razão quando diz “que não importa o quão boa seja uma pessoa, ela vai ferí-lo de vez em quando e, por isso, você precisa estar sempre disposto a perdoá-la.” Mas entenda que essas falhas são deslizes que não se repetirão se a argamassa do relacionamento for de fato amor. Quando nos dispomos a magoar com o mesmo instrumento usado antes, está na hora de se perguntar se é amor...
Então o amor como estamos discutindo precisa, no mínimo, ser mútuo. Requer conhecimento de si próprio e do mundo ao redor, precisa ser empático e altruísta sem se esquecer de si mesmo. Cada um dos lados precisa negar-se e dedicar-se a felicidade do outro, e pra ser amor isso precisa ser mútuo. Eu cuido de você e você cuida de mim. Cada um puxando a corda para um lado, para que ela esteja sempre esticada e firme e continue assim até que a morte os separe. Mas seja franco consigo mesmo, não precisa me dizer: Você tem visto este amor por ai? Vivemos em um mundo onde se a farinha é pouca, meu pirão primeiro. Onde se você não consegue me fazer feliz, adeus! Onde as pessoas não conseguem descrever suas próprias falhas, por que nunca pararam para pensar em si próprias e nos outros. Onde a busca por felicidade esta focada no dinheiro, beleza, e luxo. Naquele texto Victor Hugo ainda deseja: Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático (E não feliz). E que pelo menos uma vez por ano coloque um pouco dele na sua frente e diga: "Isso é meu". Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Isso tudo já exposto seria amor. Assim como imagino.
E não há mais dele no mundo, também como imagino...
Porém, o buraco é mais embaixo...