As maravilhosas vantagens de gostar de ler

Uma subida rápida dos sete ou oito degraus dos três lances da escada giratória de alvenaria que dá no amplo corredor de piso de cerâmica de estampa branca-cinzenta que divide o conjunto de lojas de comércio diversificado, com suas vitrines chamativas e placas com nomes escritos em neon e painéis digitais. Ao alto, mais andares com a mesma distinção, este é o primeiro, cobertos, todos eles, por um domo revestido de vitrais coloridos, que faz lembrar uma grande e luxuosa câmara de teatro com aspecto renascentista, sem, porém, perder o ar de mundo moderno e excessivamente artificial.

Era um dos andares superiores que se pretendia chegar. Mais precisamente, o próximo. O destino, então, foi uma das escadas rolantes que levavam até ele, mas não sem antes dar uma volta por todo andar atual para confirmar se não é mesmo nele que se situa a livraria. Nem mesmo no próximo era: ela foi achada no terceiro.

Uma bancada instalada na entrada da loja, se passava por ela seguindo-se em linha reta, tendo apenas que se inclinar para a esquerda para percebê-la, o que não é difícil de acontecer graças ao bom trabalho do arranjador e à escolha do que dispor nela, haviam livros dispersos na horizontal, todos possuindo atrativas capas e títulos e pertencentes à consagrados autores, foi irresistível não parar para os ver melhor. O objetivo era a compra de um livro da literatura religiosa e a primeira atendente a fazer contato informara estarem esses livros no andar superior da grande loja.

Feito a paradinha, não foi fácil se dirigir para o local correto buscar o livro objetivado sem levar também um exemplar do que melhor seduziu a ser folheado. Tendo antes o cuidado de perguntar para outra atendente, que estava mais próximo, se o livro podia ser levado e fechada a compra no mesmo ambiente em que se encontravam os títulos classificados como religiosos, o rumo foi tomado. Mas não solitariamente, pois a nova atendente, mulher bastante simpática, educada e perfumada, mais esperta, pretendendo facilitar a compra e quem sabe aumentar o número de volumes a serem adquiridos, ofereceu sua agradável e útil companhia.

Um relacionamento amistoso, possível de se estender não fosse o anel no dedo anular da mão esquerda, foi construído pela relação de consumo, que para a atendente teve vários sabores: se sentir cortejada, ainda que havendo limitações para correspondências, o que, ainda assim, eleva a autoestima, e estar a crescer na ocupação que faz, diante aos olhos da empresa para quem presta serviço graça à sua boa recepção, abordagem e apresentação, e não se pode esquecer da comissão, que foi melhorada até por causa do assédio: mais livros foram levados. O leitor também é um cliente diferenciado e tende a ser fácil de lidar com ele, uma vez que livros não têm que ser pesados e com isso gerar dúvidas e nem o vendedor necessita correr o risco de falar qualquer coisa equivocada ou leviana pelo simples fato de dar saída no estoque do estabelecimento: leitores sabem o que vão buscar e sinopses na contracapa ou na orelha das publicações cuidam de dizer do que se trata o produto. Trabalhar como vendedor de produtos literários pode ser bem vantajoso e promissor.

Finalizado o afazer no andar de cima, o fechamento da compra se realizaria no de baixo. E para lá o itinerário foi traçado e a prestativa vendedora seguiu esbanjando sua deliciosa companhia e prestação de serviço. Poucos passos até o caixa, cujo estabelecimento, inclusive, era vizinho da bancada onde tudo começou, o papelzinho identificando a compra entregue para a operadora junto com o cartão de crédito, se alegrando com a providência gentil da operadora em sugerir o parcelamento da compra, surge às costas, talvez um ou pouco mais de um metro ao longe, como a dizer para alguém mais distante ainda, uma voz feminina em tom de ironia: "Temos que tomar cuidado com os reptilianos".

Na certa era uma alusão ao livro tirado aleatoriamente da bancada próxima ao caixa e que a atendente responsável pela venda segurava embalado em uma sacola de plástico transparente junto com os outros livros da compra, a capa dele exposta de maneira que dava para identificar seu título. Disso nasceu um diálogo.

– Eu sou um repitiliano, hein... da família do Bush e da rainha da Inglaterra!

– É você parece mesmo! Respondeu a linda morena, magra e alta, usava um óculos comum que lhe dava um ar de ser intelectual.

– ??????, não deve falar assim com os fregueses!

A chamou pelo nome a operadora de caixa e a repreendeu, deixando claro que a autora da ironia era também funcionária da livraria. Os atendentes são identificados apenas por crachás e não usam uniformes naquela loja.

– Eu só falei isso porque os olhos verdes dele lembram o dos reptilianos, mas ele também está brincando!

Se explicou a simpática moça e pediu desculpa logo a seguir.

– A pupila dos olhos dos reptilianos são triangulares e eles têm aquela linguinha de lagarto, que fica entrando e saindo da boca!

Dito algo, dentre os participantes da conversa, que tranquilizou todos os interessados na relação comercial. E o diálogo findou com os protagonistas marcando de encontrar na praça de alimentação do shopping quando possível, para fins de discutir autores e livros do assunto mencionado, tão em voga ultimamente e formando grupos de leitores que viram amigos, companhias, parceiros sexuais ou maritais.

É, vale muito a pena ser um leitor e participar de um grupo em que as pessoas se sentem desacompanhadas e precisam ter com quem conversar. Acaba-se resolvendo uma série de questões. Consegue-se dicas de tudo quanto é assunto, indicação para emprego quando se está precisando de um, companhia para o lazer ou para sexo e até conjugue matrimonial.

É, claro, os grupos cujos membros se afinam por devoção a filmes, à política ou a clubes desportivos também é passível de relacionamentos serem formados. Com a mesma intensidade até. Porém, olha isto: não tem essa particularidade de se encontrar, com mais certeza, amizades com pessoas educadas, de boa fluência ao se comunicar, claras e objetivas, com quem vá se aprender coisas úteis, que se mantêm simpáticas e bem aparentadas naturalmente e que, na maioria das vezes, por causa do motivo que as ligam, pode ser um gênero literário, buscam as mesmas coisas que o outro. Sem contar a chance maior de se ser selecionado: se em uma torcida de futebol se encontra milhares de pessoas interessadas no mesmo assunto, as chances de se relacionar intimamente com uma delas é bem menor do que em um grupo que se faz menor mais pela gama de opções dentro do grupo do que pelo contingente. Em uma torcida todos se unem pelo motivo de gostar de um e somente um clube de futebol, já em um grupo de leitores, gostar de ler é a premissa maior, porém, ela se divide em gêneros literários, autores, obras e por aí vai. De maneira que se estreita até o ponto de haverem duas pessoas automaticamente selecionadas para levarem seus livros para um canto e desfrutarem isoladamente da leitura e do que mais vier à mente. Leitor atrai leitor.