Lilica
Meu carro é uma escola de samba
Tá todo sambado na passarela
Batendo tudo na descida
Subindo a avenida, batendo biela
Sambado - Vander Lee
Tá todo sambado na passarela
Batendo tudo na descida
Subindo a avenida, batendo biela
Sambado - Vander Lee
Todo mundo já teve um carrinho desses que dão mais problemas do que alegrias, que deveriam pagar IPTU e não IPVA, pois passam mais tempo parados em oficinas - ou em casa pela falta de grana pro conserto.
Eu tive vários.
O primeiro foi presente divino. Estagiária, abri uma conta de poupança e sempre guardava uma merrequinha. Passados uns seis meses, fui conferir o saldo. Fiquei deslumbrada! Eram tempos de inflação e rendimentos altos, mas nunca imaginei que aumentaria tanto. Não titubeei e, em dois dias, era a feliz proprietária de uma Brasília amarela, a quem dei o nome de Lilica. Dias depois, o banco me procurou. A atendente que abriu minha conta esqueceu-se de girar o carimbo quando preencheu o recibo de depósito do cliente seguinte e o dinheiro dele veio todo para mim.
Paguei o empréstimo involuntário em doze prestações sem juros, o que por si só já era um presentão em tempos de inflação beirando os 30% mensais.
Será que a idade dos carros tem relação com a idade humana na mesma proporção que a dos cães? Talvez, não todos, mas a Lilica, com oito anos no documento parecia ter mais de sessenta. Vazava óleo, batia pino e fazia vários ruídos entranhos.
O pior de todos os defeitos - que até hoje penso ter sido encomendado pela minha mãe - era um tal de giclê, mal dimensionado para o fluxo do combustível. Bastava passar dos noventa que a brasilinha que travava. Igual ao Windows. A diferença é que para este último, na maior parte das vezes basta sair e entrar de novo. A Lilica, não. Empacada igual a uma mula, ela só saia do coma, após algumas horas de repouso. Uma vez, com viagem marcada, saí do trabalho correndo e, no meio do caminho, a pressa aliada à minha estupidez e ao pequeno capricho de Lilica e eis-me no acostamento, coçando a cabeça e lamentando as passagens perdidas. Pintou uma carona e a deixei lá, para resgate posterior.
Troquei o giclê. Não funcionou. Troquei-o por outro, ainda maior. Nada. Troquei a Lilica. Com lágrimas nos olhos, mas troquei.
Esses calhambeques, marcos em nossas histórias de vida, são uns amores bandidos. Só dão dor de cabeça. E muita saudade.
Texto publicado no jornal Alô Brasília em sua edição de 14/03/2014.