178 – O EMPRÉSTIMO...

Num repente ele apareceu à minha porta, todo alquebrado, pernas entorpecidas pela doença degenerativa que o acomete, sem pestanejar adentrou e sentou em umas das cadeiras do alpendre da minha casa, era meu conhecido, divagou sobre diversos assuntos, relembrou de fatos ocorridos em sua sofrida vivência, falou da sua insuficiência física e dos seus problemas mentais, tais como a depressão que o persegue, e da infinidade de remédios que faz uso diário, e eu era todo ouvido, das vezes me mostrava assustado diante da gravidade do fato narrado, das vezes sorria da conotação surreal e engraçada do acontecido, das vezes ele ficava sério, das vezes dava largas gargalhadas exibindo seus belos e perfeitos dentes, rodou o mundo em assuntos variados, tudo bem narrado e explicado, e este rodopio farfalhudo, todo este volteado tinha um objetivo final, foi a maneira que encontrou pra me pedir um empréstimo, queria um adiantamento para futuro pagamento de uns cem reais, quantia essa que era mais do que suficiente para pagar as suas contas de luz e água que estavam atrasadas, e já sob ameaça de corte e desligamento, disse-me que a sua aposentadoria fora aprovada, que logo logo ele receberia o primeiro pagamento e prontamente me devolveria a quantia emprestada.

Conhecendo as suas costumeiras dificuldades físicas e financeiras prontamente lhe entreguei a quantia solicitada e ele se justificando ser uma boa pessoa, honesta, cumpridora de suas obrigações e que me devolveria o dinheiro na primeira oportunidade que fosse possível, que eu poderia dormir tranquilamente, pois o meu dinheiro estava em boas mãos, e que estas mãos o devolveriam prontamente com juros e correções, assim que recebesse a sua aposentadoria.

Dentro de mim, eu defini que aquele dinheiro quando fosse devolvido não seria aceito, aquilo nem era uma esmola, mas sim, uma doação a esta pessoa tão necessitada e tão sofrida!

E assim o tempo passou e como o tempo passa rápido, voa, passaram os primeiros trinta dias, passaram outros meses e nada do mendigo me procurar para saldar seu compromisso, mas não me apoquentei com este problema, e como que se guiado pelo destino passei a encontrar constantemente com ele pelas ruas da minha cidade, e ele agora se fazia desconhecido, absorto, olhando pros lados se despistando, me ignorava por completo, e eu pensava, talvez ele envergonhado pelo calote, agora me evitasse, talvez a sua aposentadoria não tivesse se concretizado, talvez o que recebeu não foi o suficiente para pagar os seus compromissos mais prementes...

Talvez...

Talvez...

Talvez...

O fato é que ele não me procurou para saldar o seu débito, débito este que a muito eu já havia liquidado por conta da caridade, e não me importei pelo fato de ele ter me ignorado desde então, gostaria que ele tivesse me procurado e me dissesse que não tinha condição de honrar o compromisso assumido, que assim que as suas finanças melhorassem ele me procuraria pra saldar a dívida, para que eu o abraçasse e lhe dissesse que aquela dívida já estava paga, na realidade nunca existiu, que aquele dinheiro emprestado na realidade nem fora emprestado, mas fora uma doação, ajuda a uma pessoa que luta com tantas dificuldades, que se arrasta pela vida com sua pernas tortas e fragilizadas, se desloca com ajuda de bengalas, e um dos seus braços esta se atrofiando, gostaria de continuar sendo seu amigo, e que estou disposto a ajudá-lo outras tantas vezes, no que preciso for.

O tempo haverá de encontrar um momento ideal para que a gente volte a conversar, pra darmos umas boas gargalhadas do infortúnio de nossas vidas, temos que rir das desgraças que nos acometem, assim elas se tornam mais brandas e suportáveis, vamos dar tempo ao tempo...

Um dia a gente se encontra...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 02/03/2014
Reeditado em 04/03/2014
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