ENQUANTO O SONO NÃO CHEGA
São 22 horas desta quinta-feira, 16 de janeiro de 2014 (dia do nascimento do meu pai, em 1886). Antes de recolher-me, vou até à varanda, abro-a e olho para o firmamento. É noite de lua cheia a iluminar o céu e a terra. Nuvens esparsas, corredeiras, embelezam ainda mais o firmamento estrelado, extasiando-me, como sempre. Gosto desse céu assim, revelando todo o seu esplendor, com milhões de estrelas, algumas a piscar intensamente. (Lembro aqui o que disse Javé a Abrão em Gênese 15-5: “E conduzindo-o para fora, disse-lhe: Levanta os olhos para o céu e conta as estrela, se puderes...”). Não tenho o dom de conversar com elas, como fazia o poeta Olavo Bilac; entretanto, elas me fazem meditar sobre a incomensurabilidade do Universo, do qual só podemos ver uma parte. Como já se tornou um costume, fico pensando, nesses momentos em como tudo surgiu e quem o criou, milhões de estrelas a girar com uma precisão impressionante, inclusive a nossa pequenina Terra com os seus movimentos e sua variedade de estações, tão perfeitos. Para os que têm fé, não há dúvida de que foi Deus. (Já os cientistas se dividem: há os que negam e há os que confirmam que foi Ele o autor). Não sei quanto tempo fiquei, absorto, olhando, ora para o espaço sideral, ora para o chão: dez, vinte ou trinta minutos. Não há vento; apenas uma brisa morna batia em meu rosto. Enquanto olho para a rua, vejo-a diferente de outros dias; está calma e silenciosa. Sendo de mão dupla, alguns carros trafegam em direções opostas e destinos desconhecidos. De onde e para onde vão, não sei. Pelo menos durante o tempo em que permaneci olhando, poucos ônibus passaram, talvez por estar adiantada a noite, ao contrário dos horários de fim de expediente em que é intenso o movimento. Nenhum transeunte...
Resolvi entrar. Fechei os vidros da varanda, deixando uma abertura de apenas uns trinta centímetros. Fechei as portas de vidro do quarto para a varanda, pois fazia calor e tive que ligar o ar condicionado. Ingeri um comprimido para a pressão arterial. Logo mais, tomo 15 gotas de Rivotril. Mais algum tempo, um comprimido para a Síndrome das Pernas Inquietas e, logo mais, um Stilnox para conciliar o sono. Mesmo assim, é rara a noite em que adormeço logo. São mais frequentes as noites em que o sono demora a chegar: uma hora, duas, até mais, às vezes. Enquanto o aguardo, a mente divaga. Nem sempre a gente a controla e a direciona; ela sempre sai por caminhos imprevistos, ora para fatos do dia, ou recentes, ora indo buscar lembranças boas ou amargas. São muitas e variadas as minhas reflexões. Às vezes, tomo-lhe as rédeas e vou buscar no passado longínquo figuras que tiveram participação importante na minha formação. E assim permaneço até entregar-me aos braços de Morfeu.
Então, têm início os sonhos habituais. Não tenho como saber se eles começam logo que adormeço, ou algum tempo depois. Sei que vêm, invariavelmente eles vêm e, como sempre, são os mais estranhos e inimagináveis. Até já falei sobre eles em alguma outra crônica, chegando até a afirmar que, de tão excêntricos, sem nenhuma relação com qualquer episódio da minha vida passada ou presente, não encontro explicação para os mesmos nos livros de Freud sobre a interpretação dos sonhos. Guardo na memória pedaços daqueles mais esdrúxulos ou daqueles que, não sei por que, costumam se repetir. Sei que, há muitos anos, em todos eles os personagens são, quase todos, sempre, pessoas já falecidas. Mas, recentemente, nesta idade, tive um sonho curioso, um sonho idílico, com cenas em que me envolvo, o que não sei explicar, nem pega bem narrá-lo aqui. Considerando que vivemos num pedaço de um mundo infinito uma vida finita; considerando, também os mistérios inextrincáveis desta vida finita, vá o leitor tentar compreendê-los... Agora digo como um velho amigo do meu pai - e meu também, anos mais tarde - que lhe visitava num domingo, quando caiu uma chuva “braba”, com raios e trovões a cortarem o espaço com estalos assustadores, e meu pai lhe perguntou se não tinha medo. E ele, sorrindo, lhe respondeu: “Eu, Chico, ter medo das coisas de Deus? Eu acho bonito.”