Cara, honre suas bolas!
Dois caras conversavam perto de mim. Na mesa ao lado para ser mais exato. E não sei se foi pelas cervejas que eles tomavam, mas conversavam de tal modo que escutá-los não era indiscrição nem esforço. Um deles contava da infelicidade amorosa: gostava tanto da garota mas ainda assim não conseguia se aproximar dela, nem sequer fazer algo que o conduzisse ao sucesso afetivo. E depois de contar casos e acontecimentos, tantos quases e outras tantas possibilidades, seu interlocutor interrompe:
- Cara, honre suas bolas! Deixa de frescura e fale com ela.
Tá aí. Esse tal do honre suas bolas é mesmo uma expressão curiosa. Curiosa e corrente na vivência masculina. Talvez não com essas palavras, talvez em outro contexto, mas o sentido está lá, sempre presente.
Que sentido?
Um sentido de regra, de norma, de enquadramento. Isto é, ter bolas é ter de agir de um tal modo.
Geralmente as bolas são invocadas para lembrar justamente como um homem deve ter atitude. Homens não vacilam, homens não sentem insegurança; não, homens honram suas bolas.
Homens tomam a frente, fazem acontecer, marcam presença, enfrentam desafios, não fogem do confronto. Isso é ter bolas, ter colhões, ter o saco roxo(salve, Collor!).
No fundo, temos aqui nada mais do que nosso regime de gênero se fazendo valer. Mais do que expressões, são expectativas acerca de um comportamento legitimado e que diz o que é masculino e o que é feminino. Neste caso, que o masculino honra suas bolas e com isso é um homem de atitude e ação.
E nestes termos, é interessante perceber como a noção de um homem tímido é problemática para aquele regime. Afinal, não raro se pede(exige) justamente que um tímido vá lá e honre as suas bolas – como parecia ser o caso dessa conversa que roubei.
É que um homem tímido, sim, vacila, ele, sim, sente insegurança. É um homem que tem dificuldades(sem entrar no mérito das origens) para o conflito, para as decisões. Um homem que não raro o acusam de falta de atitude, de total ausência de presença. Muito sumariamente, timidez como sinônimo das bolas sendo desonradas.
Mas tal qual são muitas as dinâmicas de gênero, isto se naturaliza e se mascara.
É dito que não se trata de gênero, se trata exclusivamente de personalidade. E subitamente o homem é aconselhado a perder sua timidez não por que o homem masculino não deve ser tímido, e sim porque não é normal para qualquer pessoa ser tímida. Mas aí ocorre a exposição da fissura. Pois mesmo imperando o discurso de que não é normal para qualquer pessoa, isso não impede que a timidez seja melhor tolerada, ou mesmo valorizada, nas mulheres – recato, submissão, silêncio, atributos tímidos que ainda abundam nas personagens e representações femininas.
Podemos perceber então esse recorte de gênero por detrás da noção de timidez(e tudo o que muito genericamente lhe é atribuído), e que se torna claro também quando a timidez não existe, ou seja, quando a pessoa exorciza de si qualquer sinal tímido.
Nestes casos, quando o masculino assegura não ser tímido isto é lido num tom do já esperado, daquilo que não causa surpresa nem merece menção: é o que todo homem deveria ser. Já quando feminino patenteia a sua não timidez, não raro isso vem em um tom de destaque, daquilo que é extraordinário: basta ver como as mulheres líderes são exaltadas pelo seu poder de decisão, seu punho forte, sua atitude pró-ativa(coisas que não se elogia no homem líder pois, repito, se supõe que ele tenha quase naturalmente).
Deste modo, quando um homem é convocado a honrar suas bolas trata-se, simplesmente, de uma convocação a atender as demandas do nosso regime de gênero. É como um alerta: ei, você está se distanciando do que deveria ser, volte lá e honre as suas bolas. É um lembrete, ainda, de todo o cultural-machista em que esse homem está inserido e que não pode muito displicentemente ir contrariando.
E aquele cara em específico estava sim contrariado o cultural-machista. E pior ainda, num setor muito frágil da masculinidade padrão que nos é passada: a interação afetivo-sexual com o sexo oposto. Setor onde certamente as bolas devem ser honradas, pelo menos é o que nos diz nosso regime de gênero.