UMA CAMA COMO ESCONDERIJO

Lá pelos anos sessenta me encontrei pelo menos três vezes no meio de uma operação policial, depois participei de um número incontável delas. A primeira, quando morava em Teresópolis, próximo ao final da linha do bonde, um enorme contingente da Guarda Civil e da Brigada Militar passava de casa em casa procurando o Monstro Negro, um bandido que havia estuprado muitas mulheres em Porto Alegre e uma delas no bairro, os policiais entravam nos pátios olhavam nos porões, dentro das casa vasculhavam os guarda-roupas e debaixo das camas.

Logo em seguida da Revolução de 1964, as Forças Armadas e agentes do DOPS procuravam terroristas, na correria Élcio um jovem da casa ao lado entrou correndo no porão e desapareceu, logo em seguida alguns agentes entraram e começaram a indagar pelo rapaz, uma tia dele que tinha alguns distúrbios mentais apontou para o porão e sussurrou que ele estava em baixo da cama. Pego pelo cangote foi levado, o esconderijo, uma cama feita a martelo ficou toda torta, depois veio a notícia ele deixara de se apresentar para o serviço militar por isto fugira.

Já a última operação não tinha o porte das duas primeiras e aconteceu na Lomba do Pinheiro. Meu pai e alguns amigos do trabalho, nas noites de sábado gostavam de jogar cartas, o jogo era a escova, e os troféus eram balas de banana. Na ocasião meu pai andava se passando nos martelinhos de cachaça, chegava em casa muito alegre, então mamãe passou a mandar-me junto, o acerto era para quando o relógio marcasse 23 horas eu deveria dizer que estava com sono e assim o papai teria que se recolher. Numa das noites ouvimos algumas batidas na porta e o grito que era a polícia, seu Zé o dono do bar apavorado abriu uma fresta e logo um pé empurrou a porta que escancarou-se e foram logo revistando tudo. Todos nós ficamos mudos até que um policial perguntou se três homens desconhecidos tinham estado ali fazendo compras, seu Zé respondeu que na boca da noite atendera três desconhecidos que estavam numa rural willys e já foi dando a relação das compras: cinco litros de querosene, arroz, feijão, charque, pão e linguiça, pagaram e partiram. O policial queria mais e passou a indagar-nos, mas nenhum de nós estava presente, então seu Zé lembrou que um deles havia dito: Capitão Carlos está tudo limpo podemos ir e partiram na direção do Espigão. O policial quis ver o dinheiro e seu Zé foi buscar do esconderijo, era uma nota gorda, que de imediato foi apreendida mediante um recibinho, se ela voltou nunca ficamos sabendo.

Desde aquela época tenho que camas não são bons esconderijos, mas ultimamente estou mudando de opinião e fiz um acordo aqui em casa, pedi que liberassem um quarto, então encomendei um beliche, desde que ele tivesse pelo menos 1,70 m de altura e fosse de casal, o marceneiro intrigado queria saber o motivo, confidenciei bem baixinho que seria meu esconderijo, quando a coisa ficasse preta, então meu filho retrucou dizendo que eu passaria o resto da minha vida por lá, pois sou muito medroso. No fundo eu não queria dizer e não disse o motivo, estou de olho no mercado, há muitos medrosos que ao menor obstáculo fogem para debaixo da cama, muitos deles correndo o risco de se machucarem, comerem pó e ficarem alienados. A cama que proponho terá espaço para birô, frigobar, computador em rede, telefone e periscópio para observar lá fora, um sofazinho para receber alguns medrosos da panela e até uma tela plana para assistir o futebol.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 02/02/2014
Reeditado em 01/04/2014
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