AS COXINHAS QUE DÃO EM ÁRVORE

O que bem todo mundo se lhe me parece, no momento: peixinhos nadando em terra firme.

Importa mais: bradar ou ser ouvido?

O que é mais interessante: escrever ou ser lido?

Atentemos: não são as mesmas coisas. Mesmo!

Lindo quando a massa decide ocupar as quadras, as praças, os largos e os viadutos.

Admirável que essa gente toda desmorone os quartéis, desfigure o palácio, rompa a lei.

Incentivador ver mãos dadas destronando as impertinências dos reis!

Um sonho: os braços do povo conduzindo a iniciativa pelo processo da participação!

Sou sempre Leminski:

‘ainda vão me matar numa rua / quando descobrirem / que faço parte dessa gente / que pensa que a rua / é a parte principal da cidade.’

Viva a liberdade da gente!

Outrora fui ardente: se é protesto, estou contente: apenas caminhando quebramos as correntes.

Hoje inda estou repleto: o povo na luta é um alfabeto: escreve as linhas de seu tempo a céu aberto.

Mas ignoro o motivo: há tanta gente disposta a estar na rua: tanto motivo: nenhuma convicção.

Somos contra o governo ou contra a corrupção?

Queremos mais saúde e educação!

Contra a ditadura dos que são contra a opinião!

Parece aquela salva – quem diz que deseja a você toda a felicidade do mundo, de fato, deseja isso, a ponto de perder também a felicidade?

A desejar toda felicidade existente, configura o resto todo do mundo um aglomerado de infelizes?

Parece aquele achar – ‘hoje em dia não há mais cavalheirismo, bom era o passado!’.

Geralmente expresso por quem nem idade tem para contar-se em décadas, nem idade tem para ater-se em saudosismo, nem idade tem para definir “no meu tempo...”.

Como sabe do passado? Clark Gable era um bigode do cinema: jamais saiu de lá.

Parece aquele verso – o problema são os outros!

Mas, e quantos amigos, parentes, sentidos, coragens e passeios você perdeu porque o tiro é um iminente encontro na esquina mais próxima?

Que verdade há nisso tudo?

Há mesmo um gatilho à sua espera ou você não tem nada a ver, caso ele lá esteja mesmo?

Há um medo expresso em cada um de nós pelos gestos da inconseqüência.

Haverá sempre um inimigo enquanto nos atermos exclusivamente aos limites que nos cabem.

Ver os outros com que olhos: o de minha certeza absoluta e indeferível acerca dos assuntos fundamentais?

Ver os outros com que olhar: o de suas necessidades incertas ou latentes ou caprichosas ou incoerentes ou apenas necessidades?

Quem sabe o que é certo para si? Que dirá para outrem...

O que significa querer mais educação?

O que é pedir por saúde?

Como se protesta contra a corrupção?

O que é corrupção?

Ser contra governo: esse que aí está, esses que aí estão, ou os que elegeremos no futuro?

Ter livre opinião é reservar-se ao direito de ofender àqueles que sempre foram ofendidos, como coisa posta, como amálgama da escória?

O poder jamais se esvazia.

Alguém estará sempre lá para ocupar.

Político é tudo igual?

– então você assume que não sabe escolher?

Pois bem: e o problema são (mesmo) os outros?

Não há poder espontâneo. Não haverá poder das massas enquanto a massa não se apoderar.

De si, das ideias, da prática.

Decerto, há desejo de golpe. Ocorre que o tiro sai pela culatra.

O fato é sempre o fato: um povo sem letra não assina o seu futuro.

Gritar não irrompe o analfabetismo político.

Quem nunca militou na vida, nunca se politizou... Quando resolve protestar parece peixe gritando por não conseguir subir em árvore.