NOVO SACRISTÃO
O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.
NOVO SACRISTÃO
O Seminário de Rio Negrinho era preparatório ao ginásio, mas quem tivesse feito bom Curso Primário na escola de origem e obtivesse boas notas no primeiro ano de seminário, no ano seguinte iria pra Corupá e ingressava na segunda série do Ginásio no Seminário Sagrado Coração de Jesus. Não foi o meu caso. Depois dos quase três meses de férias, voltei pra Rio Negrinho. Também pudera! Quando fui pro seminário já fazia mais de dois anos que eu tinha feito o terceiro ano primário e deixado a escola de dona Cristina.
No mesmo dia que chegamos, o Padre Reitor me chamou à sacristia da capela. E fui já de pulga na orelha, pensando ser algum pepino, alguma advertência. Não me lembrava de nenhuma travessura, mas era bom andar prevenido.
— Você vai ser o sacristão de hoje em diante, seu Corrêa.
— Pois sim, e o Arnoldo?...
— Aquele malandro não vem mais.
Arnoldo, por quem eu perguntei, tinha sido o sacristão no ano anterior. Secretamente eu nutria uma inveja danada dele e fiquei imensamente feliz ao saber que iria substituí-lo, mas fiquei pesaroso ao saber que ele não retornaria, pois era um colega e tanto.
O sacristão era encarregado de todo o serviço interno da capela: varrer, espanar, encerar, enfeitar os altares, cuidar da lamparina do Santíssimo, abastecendo-a de azeite pra que nunca apagasse, nem de dia nem de noite, acender e apagar as velas dos altares, à noite, arrumar os paramentos sobre a cômoda, pros padres celebrarem no dia seguinte, e guardá-los após as missas, trocar as toalhas dos altares e mandá-las pra lavação com as peças dos paramentos quando estivessem sujas. Até a fabricar velas e preparar a cera pro assoalho eu acabei aprendendo.
Mas do que eu gostava mesmo era de recolher as galhetas após as missas e saborear o vinho restante em cada uma delas. E como era gostoso! Malandro, eu sempre as enchia, a fim de que sobrasse um pouco pra mim. E quando não me sobrava, eu resmungava pros meus botões, xingando o safado do padre beberrão.
O pior foi que, com isso o barril secou bem antes do que devia, e quando eu fui dar a notícia ao Padre Reitor, ele se admirou, nem querendo acreditar.
— Não pode!... Faz tão pouco tempo que foi comprado...
— Mas então o barril não estava cheio — supus.
— Ou você bebeu — suspeitou ele, fitando-me nos olhos.
— O que sobra nas galhetas eu bebo sim.
— Mas então de hoje em diante não as encha tanto, ouviu, seu safado — recomendou-me bondosamente.
Ah, se ele soubesse que nos dias de encerar a capela eu emborcava uns bons tragos extras!...
Como no ano seguinte eu não retornaria pra lá, pois iria pro seminário de Corupá, na despedida pras férias de fim de ano, sorrindo, ele se saiu com esta:
— Pode deixar, seu Corrêa, que lá em Corupá tu não vais ser sacristão não!
E não fui mesmo, embora tivesse ficado lá cinco anos. Eu acho que foi por recomendação dele, que andou passando minha ficha de sacristão papa-vinho. O pior é que naquelas férias, em casa, às vezes eu sentia falta dos meus traguinhos. O danado do vinho era bom mesmo, tanto que no ano seguinte, em Corupá, sempre que eu ajudava uma missa, não deixava o quinhão pro sacristão não. Antes de despir a batina, eu voltava sorrateiro ao altar e lambia o restinho do vinho. É... Lambia é o termo bem exato. Apojava a galheta pra aproveitar até o último pingo.