Intermitencias
A tarde avança, o sol declina, e eu sem saber o que escrever, e o vazio aumenta a minha dor. Não há empresa como esta! Sentar-se como um condenado no banco em frente do computador. Mirar e remirar a composição, os acessórios, a função de cada um e num bailado de dedos, no palco do teclado, executar danças e músicas, transformadas em palavras.
Escrever é bailar ao som das teclas, na comunhão plena homem-máquina. Há angústias à mistura, tantas quantas cabem na alma de um homem. Há também alegrias arrancadas ao suor e às lágrimas incontidas.
Que sentimento ambíguo é este que me invade quando me sento determinado a vencer o silêncio da máquina, quando a ideia criadora a bailar febril no cérebro reclama a urgência de viver, mesmo que imperfeita, sem boca, sem olhos: um esboço apenas?
Sinto-me um condenado a justificar merecer a liberdade da vida. A cada tecla batida, a cada palavra formada, a cada frase arrancada, soa um grito na noite, soltando algemas, abrindo prisões. Por isso, vou tecendo palavras com fios arrancados à meada da vida.
Escrever é pintar a aguarela, a pastel, a carvão ou com outro material qualquer.
Escrever é pintar paisagens tão belas como o nascer e o pôr-do-sol, ou tão tristes, tão melancólicas quanto a aridez dos desertos.
Escrevo com a mesma dificuldade com que vivo. Pesa-me a vida de tão parada que é. Sem um sonho realizado, sem um horizonte rasgado. Por vezes há nela apelos em ir, mas também desejos em ficar. Vou, não vou. Fico, não fico.
Escrevo pensando em ficar. Escrevo sabendo que não tenho para onde ir.
Prisioneiro involuntário da apatia da mente que comanda o corpo resigno-me cristãmente aos preceitos da aceitação incondicional da minha condição humana. Deve haver um propósito para que tal aconteça, concluo eu da lassidão das ideias que o meu cérebro constrói. Olho para trás e relembro passo a passo a vida que vivi sem querer, olho para trás e desenho na folha deixada em branco a vida que não vivi. O tempo passa, as memórias cobram-me promessas feitas e os sonhos diluem-se. Doutor, há por aí algum químico que apague o passado e inflame o futuro? Não há?! Então, não tenho cura. Morri, estando vivo. Apercebo-me agora com a lucidez e a clarividência dos iluminados.