O ‘Triunfo’ do deputado Hintze e a traição do ‘Gato’ Ponte

A Fernando Augusto Moura

Meu avô

Um belo dia, disse a meu pai que queria aprender música na banda.

Minha avó saltou da cadeira:

Não!

Já me bastou o teu avô!

Medeiros chamava-se Francisco Manuel de Medeiros Correia e foi o primeiro Presidente da ‘Direcção da Sociedade Filarmónica [Triunfo da Ribeira Grande].’ Chegara à Ribeira Grande aos 25 anos vindo de Lisboa já casado e com um filho no outono de 1863. Era médico. Em 1879, com 43 anos de idade, era o cacique local do partido Regenerador. Nascera na Lagoa, em Santa Cruz, a 26 de Agosto de 1836. Faleceria sessenta e dois anos depois na Ribeira Grande, Nossa Senhora da Estrela, a 14 de Dezembro de 1898. Deram-lhe o nome a uma rua na Ribeira Grande.

No convite para sócio, que em nome da Direcção, endereçou a José do Canto, vem a data da fundação da Triunfo: ‘26 de Outubro de 1879.’ A origem do seu nome: ‘outrora – Liberdade – e hoje = Triunfo = (…).’ E o que levou à sua fundação: ‘(a) eleição do Deputado, o Excelentíssimo Senhor [Artur Rudolfo] Hintze Ribeiro (…).’

Em 1879, Hintze, de nome completo Ernesto Rudolfo Hintze Ribeiro, aos 30 anos, era um estreante absoluto nas lides políticas. E, no entanto, iria longe na política nacional. Duas décadas mais tarde, viria mesmo a suceder a Fontes Pereira de Melo na presidência dos Regeneradores: de 1900 a 1907. Esteve ligado à esperançosa assinatura do Decreto que concedeu Autonomia aos Açorianos mas também esteve ligado ao triste episódio do encerramento das Conferências do Casino em que pontuava o conterrâneo Antero de Quental. Esteve ainda ligado à apoteótica visita Régia aos Açores. Desconheço se por isso ou por algo mais, foi-lhe dedicado o mais imponente e vetusto largo na Ribeira Grande: o Largo Conselheiro Hintze Ribeiro. Ou praça do município.

Hintze nascera em Ponta Delgada a 7 de Janeiro de 1849 e faleceria aos 58 anos em Lisboa a 1 de Agosto de 1907. Com apenas 23 anos, Doutorou-se em Direito na Universidade de Coimbra a 14 de Julho de 1872. Pouco depois regressou à ilha, onde casou em 1873. Aqui exerceu advocacia até 1877. Nesse ano partiu para Lisboa, onde também exerceu advocacia, filiando-se no Partido Regenerador.

Este partido, mais o progressista, era um dos dois principais partidos do tempo da monarquia constitucional. Situava-se à direita do progressista. Alternavam-se no poder. Mas não era como se dizia: rotativismo.

Hintze estreou-se, pois, em 1878, na política nacional pelo círculo eleitoral da Ribeira Grande. A eleição de 1879, foi uma das três em que concorreu por aquele círculo tendo por adversário o progressista Caetano Andrade de Albuquerque. Empatou uma e venceu as restantes duas. A primeira, em 1878, acabou num empate suspeito. Quis desistir, não o deixaram. Na segunda volta, venceu com os votos de Rabo de Peixe. Foi acusado de fraude. Eleito, ainda com 29 anos, Deputado para a 22.ª Legislatura. Porém, a legislatura não duraria seis meses: de 24.01.1879 a 19.06.1879. Mandava então no país Fontes Pereira de Melo.

Oportuna, a comissão dos Regeneradores da Ribeira Grande, nomeia-o como seu candidato logo em Junho de 1979. Hintze aceita. Em Julho esta em campanha na ilha. Venceu de novo o seu adversário Caetano de Andrade de Albuquerque. Já não só com os votos de Rabo de Peixe, mas, graças ao padre Graça (José Lucindo), com os votos da Ribeirinha. Deputado da 23.ª Legislatura pelo círculo da Ribeira Grande, a legislatura teve início em 02.01.1880 e terminou a 04.06.1881.

Aprendida a lição de 1878, nesta eleição de 1879, não se quis deixar nada ao acaso: choveram promessas. Além das promessas, a eleição provocaria uma verdadeira revolução no panorama das bandas da Ribeira Grande. A fundação de uma banda insere-se neste plano de campanha. No caso, a Triunfo. A dissensão na Voz do Progresso (1874): João Maria da Ponte viria a sair de A Voz do Progresso para A Triunfo. A lealdade pessoal contava mais do que a fidelidade partidária: apesar de responsável e um dos fundadores em 1874 da banda ‘Voz do Progresso’ (progressista), apoiou um regenerador. Era da Ribeira Grande, não deveria ter à altura mais do que 27 anos. Era ou viria a ser Recebedor Municipal. Era primo direito de José Nunes da Ponte.

Talvez até tenha tido origem nesta disputa eleitoral, a rivalidade entre Gatos (Progresso) e Cães (Triunfo).

Mário Moura

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 09/01/2014
Reeditado em 14/01/2014
Código do texto: T4642880
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