Um segredo do universo...
Samurai conhecia os segredos do universo. Conhecia os mistérios da vida e da morte, do além e do além do além. Samurai era um dos seres mais sábios do mundo. Ele falava aos humanos, tentava dividir com eles um pouco de seu conhecimento. Porém, ninguém o entendia. Pudera. Samurai era um cachorro. Para os humanos que cruzavam pela calçada, Samurai era apenas um jaguara que ficava latindo para cada um que passava. De vez em quando, ele até levava algumas pedradas. Numa dessas, lhe quebraram uma pata dianteira. Samurai conhecia e compreendia a ignorância humana. Eles não queriam lhe ouvir, nem tentar entender o seu "latim".
Às vezes, o próprio cusco se questionava se valia pena continuar latindo. "Esses humanos que se ferrem". Mas era um pensamento fugaz, que logo ele próprio combatia, afinal de contas, os cães eram considerados os melhores amigos dos homens e, como bom amigo, Samurai procurava entendê-los. Ele era um cachorro compreensivo e sabia perdoar. Na esperança que alguém lhe ouvisse, Samurai continuou latindo os maiores segredos do universo. Ele achava, por exemplo, que os humanos desconheciam o amor. Que, para eles, amor nada mais era do que escolher outro ser para gostar, trocar beijos, dar presentes, fazer sexo e gerar outro ser. Para Samurai, os humanos vulgarizavam o amor. Ele dizia que os humanos só amavam quem lhes amava ou quem eles geravam e que isso era muito fácil. E, por isso mesmo, não era amor. Ele dizia que o amor dos humanos, sem reciprocidade, perdia a força e se mostrava insignificante, no final das contas. O amor dos homens nascia do desejo, disfarçado de paixão e que, mais tarde, disfarçava-se de amor. Mas, tão tênue era essa máscara, que bastavam surgir os primeiros entraves para o amor dos homens se desfazer como fumaça e virar ódio.
Amor de verdade, segundo os latidos de Samurai, era um amor por todos. Era respeitar a vida, acima de tudo. Respeitar desde uma simples formiga carregando alimento nas costas, até as cobras, até os sapos, até todos os animais, até todos os humanos. Segundo Samurai, cada criatura vivente carrega dentro de si uma fagulha divina, um pedaço do próprio Deus que, no princípio dos tempos, multifragmentou-se por toda a criação. Assim, amar aos outros como a si mesmo, nada mais era do que amar ao próprio criador. Deixar de amar aos outros ou odiar aos outros ou a si, era como renegar a própria força geradora do universo: o senhor dos Cachorros. E dos Gatos. E dos Homens. Deus.
Amar quem nos ama, é fácil e, por isso mesmo, não é amor de verdade e, sim, um lampejo de amor, uma faísca. Amar não é fácil. O amor é a força mais complexa e profunda do universo. Amor de verdade é amar a todos. Até quem nos dá pedradas.