A Flor.

B: Você ainda a ama?

A: Muito.

B: E você ainda se ama?

A: Bem, é complicado, sabe? Eu me amava mais quando ela estava por perto, quando ela fazia parecer que cada palavra que eu dizia, ou gesto, fossem os melhores do mundo; porque lá no fundo, eram ─ para ela. Agora.. Não restou nada. Quer dizer... Me sinto vazio, sabe? Como se... Como se a mão que me guiasse tivesse ido muito a frente e meus passos não conseguissem acompanhar o ritmo, e os dedos, mesmo entrelaçados, desvencilharam-se. E eu corri. Acredite em mim, eu corri o mais rápido que pude, com mais vontade que jamais tive, mas não consegui alcançá-la. Não sei se porque ela já estava muito a frente, ou se porque ela procurou seu próprio caminho.

B: Sinto muito..

A: Mas ela me deixou coisas boas, sabe? Eu não gostava nem um pouquinho de mim e, ainda assim, ela enxergou algo que eu não vi nesses anos todos. Ela me fez querer ser uma pessoa melhor, como se plantasse uma semente que florescesse infinita e delicadamente em meu âmago e que cada vez florescia mais rápido por estar na presença dela. Definitivamente, não me amo tanto quanto quando ela estava aqui, mas... Acho que gosto de mim bem mais que antes.

B: Espero que fique bem...

A: Eu vou ficar.

B: Estou indo... Todos já estão indo.. Tudo bem?

A: Sim, eu só quero ficar mais um pouco.

B: .. Ok. Se precisar, estou aqui, tá? (E saiu).

A: Sabe.. As pessoas acham que a morte é ruim e tentam correr dela deliberadamente. Não há fuga. Não há despedidas. Não há tempo de se arrepender. Não que seja boa, mas faz parte do ciclo, e não é um final, propriamente dito. Se estiver vidar depois dessa aqui, que tal mais um esbarrão, hein? (Sorriu, mas, aos poucos, desmanchou os lábios em uma parábola). Você me ensinou bem mais que viver, me ensinou a procurar a vida, em sua forma mais simples e bonita, em qualquer lugar para onde eu fosse. Espero que esteja me vendo daí, onde quer que esteja. E nunca se esqueça, porque eu nunca me esquecerei: preste atenção em pequenas coisas, tão simples quanto nós dois. Obrigado pela aventura, querida. Eu sempre vou amar você. (E pôs a flor sobre o caixão, repousando a mão sobre o mesmo, como se seu toque fosse capaz de aquecer toda superfície de madeira e aquecer o corpo lá dentro. Abaixou a cabeça. E chorou. Apenas chorou).

A H
Enviado por A H em 20/12/2013
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