Crônica de Um Amor Infinito.
"Eu sei que vou sofrer/A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu//Por toda a minha vida “.
Vinicius de Moraes
Quando nasci ela era uma senhora de bastante idade, como eram as bisavós daquele tempo. Vovó Nana assumia o ar grave de quem ajudava a administrar a movimentada casa onde morava com a filha e o genro, meus avós maternos.
Tratava os assuntos domésticos com seriedade e tentava disciplinar os bisnetos que povoavam aquele lar acolhedor. Parecia ser dura e trazia a austeridade na expressão do rosto, porém conservava um reservatório de lirismo na alma, o qual generosamente compartilhava com todos que se dispusessem a ouvi-la.
Cresci escutando a narrativa de sua triste história de amor, o que em mim provocava dor e compaixão.Em meio aos happy ends do cinema e dos romances da minha infância e adolescência, aquele amor frustrado era absolutamente real e conflitante.
A jovem Anna Elisa, órfã de mãe ao nascer, foi criada pela avó e por uma tia.Imagino que apesar do carinho com o qual foi contemplada, guardava em si a carência dos que crescem sem a presença dos pais.
No começo do século XX, durante a construção da primeira ponte que ligava Natal a Igapó, conheceu José Reynaldo Iglesias, engenheiro argentino que viera ao Brasil para compor a equipe que ergueria a ponte.
Teve início, então, um romance com tintas de conto de fadas.Anna encontrara seu príncipe encantado e a vida se mostrava feliz. Casaram-se e tiveram três filhos, mas apenas dois sobreviveram.
Moravam numa boa casa e viviam felizes, até que um dia ele saiu para trabalhar e não voltou.Simplesmente, assim: o homem amável e generoso saiu e não mais voltou.
Ela o esperou um dia, dois, um mês, um ano. Na verdade, esperou mais de 70 anos por seu amor.Ele se foi quando ela tinha 20 e poucos anos.Ela aguardou seu retorno até morrer aos 96.
Conservou um retrato na parede, a certidão de casamento e o seu amor intacto, a despeito de todo sofrimento e das dificuldades enfrentadas para sobreviver com dois filhos pequenos, numa época árida para uma “mulher largada pelo marido” -frase feia, mas comum no seu tempo.
Repetia com indisfarçável orgulho que nunca usara suas mãos para escrever bilhete a nenhum homem, pedindo auxílio e que criara seus filhos numa máquina de costura, com apoio de familiares.
Minha mãe costuma lembrar que a avó dizia que as “lágrimas caíam-lhe de quatro em quatro” nos momentos de melancolia e preocupação com o futuro.
Todavia, Naninha, como a chamavam as amigas, não cultivou mágoa e manteve a memória do seu sonho até o fim da vida.Nunca soube do destino de seu amado, mas exerceu a esperança narrando a todos a sua história de amor.
Para mim, a infinitude do amor de minha bisavó lembra o sentimento de Florentino por Firmina em O Amor nos Tempos do Cólera, a obra mais lírica de Gabriel Garcia Márquez.
E inspirada no escritor colombiano, arrisco um palpite de que ela deixou esse mundo com a certeza de reencontrar no céu de sua forte religiosidade o grande amor de sua vida.