E os livros
                     foram salvos


     
A carioca Rúbia Lana, que apesar do nome não é dançarina, de repente resolveu acabar com sua biblioteca particular. 
      Tudo bem. Ninguém é obrigado a ter em casa uma biblioteca, embora seja aconselhável. Mas o que fez ela: pegou seus livros, e os lançou nas águas da Lagoa Rodrigo de Freitas!

          Li esta notícia, faz algum tempo, em um jornal do Rio de Janeiro, de modesta circulação. Passava despercebida na página de polícia, naquele dia registrando momentos de muita bala e muito sangue num bairro carioca.
          Segundo a reportagem, entre os livros lançados por Rúbia nas águas da lagoa estavam romances de Machado de Assis, crônicas de Drummond, crônicas de Fernando Sabino, de Rubem Braga, e alguma coisa de Nietzsche e Jung. 
          Mas o que surpreendeu a todos foi o comportamento dos peixes que ainda conseguem sobreviver nas águas poluídas da Rodrigo de Freitas: eles, praticamente, não molestaram os livros enjeitados!
          Seu Arnaldo, há anos cuidando do meu jardim, me ouviu comentando a notícia.  
          E, enquanto podava meu flamboayant, fez esta interessante observação: " Ah, meu doutor, esses peixes cariocas deviam estar de barriga cheia. Na minha distante Paraíba, isso não acontecia."  
          E completou: " As piranhas do açude Corema devoram até a Bíblia, se por acaso o Livro de Deus cair na sua correnteza..."
          Concordei com o honesto paraibano de Pombal. E lhe contei, que, no meu Ceará, também é assim: lá, os peixes do Orós não perdoam. Comem, com a voracidade de nordestinos famintos, o que é jogado no seu leito, sem questionarem o menu.
          Dona Rúbia errou duas vezes. Primeiro, quando contribuiu para aumentar a poluição da Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal de sua cidade. Segundo, quando decidiu jogar seus livros nas águas, com a manifesta intenção de destruí-los. 
          Não é correto destruir livros; livros bons ou ruins. Seus autores, até os mais modestos, merecem respeito. Pune-se o escritor ruim, não lendo o que ele escreve e não rasgando os seus livros. 
          Podia ter vendido sua biblioteca a um sebo. 
      Nossos sebos estão aí guardando, com muito respeito, obras de escritores famosos que, por isso ou aquilo, foram descartadas por seus antigos donos.
 
          De repente passa por lá  um bom leitor, descobre uma raridade, e não hesita em comprá-la, até por quantia razoável.
          Os livros, também os dos sebos, nunca são inúteis. Ainda que seus autores não tenham recebido da crítica os aplausos esperados. Os críticos também cometem injustiças.
          Dias depois, no mesmo jornal, li que boa parte dos livros de dona Rúbia havia sido resgatado. 
      Um cidadão, que fazia seu cooper matinal em torno de lagoa, os viu boiando, e resolveu salvá-los. 
       E o fez com a ajuda de uma frágil varinha de pescar.
       "Quem passava pela lagoa, vendo o esforço do pescador de livros, aplaudia-o com incomum entusiasmos", disse a repórter que assinou a matéria.

          É provável que dona Rúbia Lana tenha lido a notícia do resgate de seus livros. E, quem sabe, se arrependido da besteira que fizera.  
      Num país onde pouca gente tem acesso aos livros, estes não devem ser aviltados, humilhados, destruídos. 

     Nem condenados a morrerem afogados, mesmo que nas águas de uma encantadora lagoa; como a Lagoa Rodrigo de Freitas...

       
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/04/2007
Reeditado em 02/12/2019
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