AS PALAVRAS SÃO SEMENTES ALADAS
Disse um filósofo: - ‘Ninguém atravessa o mesmo rio duas vezes.’
E disto podemos depreender: - Nem o mesmo homem o atravessará!
Com propriedade, ambas as afirmações levam a duas deduções:
O rio, a cada fração de segundo, a cada milésima fração de tempo é outro. Outras águas, outros sais, outras cores, outros brilhos, outros níveis, outras profundidades.
Também assim o homem, desde sua disposição orgânica a seu número de neurônios, vão sendo modificados ao fluxo do tempo. Hoje, o homem já não é mais o mesmo que foi ontem, e não será o mesmo amanhã. Sempre será outro ser anatômico, outro que não o mesmo face ao Tempo; esse fator invisível que a tudo deteriora e modifica, seguindo o curso da ordem natural de todas as coisas.
Alguém, meu amigo, que adora escrever - articulista de jornais e revistas: crônicas, contos, resenhas, poesias, possuidor de um estilo próprio, definido e fácil, sonoro e agradável - dirigiu-se a mim afirmando:
- Deixei de escrever por três anos, pelo fato de que tudo o que lia, via ou ouvia pela mídia era sempre a mesma coisa. E ao escrever, eu só engrossava a mesmice.
Ele no fundo relendo, achava que havia dito a mesma coisa tanto quanto outros diziam, fossem acadêmicos, jornalistas escorreitos em suas notícias corridas ou escritores de grande tiragem.
A diferença, disse: estava no estilo, na feitura do texto gramatical, nos adicionamentos sintáticos, léxicos, variação na prosa permeada de poetização ou crueza sonora, figura de linguagens, frases ou palavras de efeito, neologismos etc. Dizia que o pano de fundo das mensagens textuais era o mesmo, só demoravam mais ou menos tempo a serem captadas pelo receptor.
Ele não é pessoa a receber conselhos. Sua concepção quando formada, só ele mesmo a modifica ao tempo que acha oportuno, ou nunca mais.
Por outro lado, também não sou do tipo a dar aconselhamentos. Quem sou eu? Em que degrau me encontro na escadaria da vida? Por isso escrevo mais do que procuro falar.
As palavras impressas, os nossos pensamentos, não mais nos pertencem. E essa é a intenção de quem escreve! E, quem nos lê tem mais tempo para refletir. O som da voz, em determinados momentos do espírito, só aborrece. As palavras são produtos do silêncio, feitas para o silêncio. O leitor pode antropofagiar o pensamento, digerir e subtrair a proteína necessária para sua mente – que é alma! São plumas ao vento. São sementes aladas. Em que terreno cairão?
As pessoas estão absolutamente livres e são os juízes que darão seu veredicto sobre aquilo que colherem. Por isso quem escreve com amor à literatura é um semeador. Só isso. Nada mais!
Poderia ter dito ao amigo: - A maravilha do mundo essencial está exatamente nisto, a diversidade de cores, a monocromia do branco absoluto pode cegar. O negro sem nuances não nos permite ver. Só a diversidade cromática cria os jardins onde viceja a vida em toda plenitude. Todos os que semeiam, beijem as sementes antes de espargi-las e injetem em cada uma, seu suor, seu sangue, seu ser, sua alma; porque no Universo tudo vem da Eternidade com a mesma mecânica precisa e aparentemente repetitiva. Ao mesmo tempo tudo se renova, desde o exato espaço sob nossos pés, até o mais longínquo e intangível ponto do espaço sideral.
Podemos dizer tudo o que no fundo você pensa ser a mesma coisa, mas em cada palavra, em cada frase, em cada período em cada livro, transcende almas inéditas, porque Deus não faz as pessoas em série. Não há um ser sequer igual a outro em todo o universo. E o transmitir das sensações acompanha essa singularidade.