Eu lembro

Eu lembro que você me chamava de louca agressiva. Lembro que você gostava quando eu trazia o violão. Lembro que eu te conheci na alfabetização. Lembro que você me fez cair e depois me beijou. Lembro também que nesse dia eu implorei pra que a professora não contasse à minha mãe.

Eu lembro que estudamos juntos até a sétima série. Lembro que eu quase me afoguei por sua causa. Lembro que quando você percebeu o meu desespero foi logo me salvar. Lembro principalmente que depois disso todos diziam que a gente ia se casar.

Eu lembro que a sua mãe (aquela chata) conseguiu um emprego lá longe perto do fim do mundo que é a solidão. Lembro que eu chorei na rodoviária assim que você me abraçou pela última vez naquele ano. Lembro que a gente foi à falência por comprar tanto papel e caneta para que as cartas nascessem e logo voassem pro correio. Lembro que fomos à falência de novo depois de aderir ao bom e velho telefone. Lembro que a gente conheceu o Whatsapp logo depois do Facebook que fez meu dedo doer.

Eu lembro que dois anos depois você veio me visitar. Lembro que você tinha feito um música que dizia o que eu deveria saber. Lembro que eu fiquei envergonhada e sem saber o que fazer. Lembro que você ficou com raiva e foi embora de novo.

Eu lembro o quanto a saudade enforcou meu coração até que saíssem as belas palavras que traduziam o que eu sentia. Lembro do desespero que eu senti quando pensei em te perder. Lembro que o desespero aumentou logo depois do telefonema que trazia a pior noticia que eu podia ouvir. Lembro que logo me alegrei ao ouvir que você viria. Lembro que voltei a ficar triste quando soube que você a traria.

Eu lembro que fui te buscar na rodoviária. Lembro que fui mal vestida para que você visse o que me fez. Lembro que não deu certo porque você me elogiou. Lembro que ela me odiou quando me viu e soube da nossa história. Lembro também que tive vontade de matá-la e de me matar também. Lembro que você foi almoçar lá em casa e me levou uma blusa da nossa banda preferida. Lembro que ela achou minha comida sem sal. Lembro também que eu desejei que ela fosse uma lesma para que eu salgasse sua vida.

Eu lembro que no seu último dia aqui, eu me declarei. Lembro que você ficou vermelhinho e riu. Lembro também que você disse que não me amava mais e que só veio aqui pra confirmar o que já tinha certeza. Lembro que depois que as minhas lágrimas caíram, você disse adeus e a menina que você namora veio te buscar. Lembro que eu chorei feito um bebê naquela noite.

Eu lembro que passei cinco anos das nossas vidas sem te ver. Lembro que você não leu o meu primeiro livro, não me viu formada, não me ligou mais e com certeza me esqueceu.

Eu lembro que alguns meses depois, eu vi uma figura parecida contigo. Lembro que a figura era realmente você. Lembro que você começou a correr até mim. Lembro que no desespero eu deixei cinco reais a mais no balcão da lanchonete onde eu comprei um sanduíche que me fez engordar. Lembro que você continuou correndo atrás de mim mesmo com a mochila que quase te fez cair.

Eu lembro que você me alcançou e puxou meu braço. Lembro que não tinha esquecido os teus olhos. Lembro que você me pediu desculpa e que eu quase chorei. Lembro que você disse que me amava e que tinha percebido a blusa que eu ganhei. Lembro que a blusa era aquela da nossa banda preferida. Lembro que você me disse belas coisas e eu te interrompi dizendo que era mentira. Lembro que você negou até cansar a garganta. Lembro também que eu te perguntei sobre a tal garota e você disse que virou corno. Lembro que você me chamou de ‘Minha Mônica’ e eu te chamei de ‘Meu Eduardo’ e então a gente sorriu. Lembro que depois disso eu me lembrei das suas antigas palavras que tanto me feriram. Então eu corri. Você correu atrás. Eu parei logo que você segurou meu braço. O sinal estava fechado. Você me olhou e eu percebi que não tinha nada a perder. Então você tocou os meus lábios que tinham gosto de carne com mostarda. O sinal abriu e um fusca avançou confiante. O capô azul-bebê bateu em nós e voamos. O motorista era um velhinho que sempre gostou de correr a mais de 100 km/h. Morremos olhando um pro outro. Morremos cada um cada com gosto estranho na boca.

Enfim, você dizia que eu is te esquecer. Aqui está a prova que não. Que eu não conseguiria esquecer alguém como você. Que eu me lembro de cada cor e de cada luz de cor. Pode me perguntar de cada coisa que eu me lembro.

Lafayette
Enviado por Lafayette em 03/12/2013
Código do texto: T4597565
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.