Aprendendo com os mais


Gosto de aprender com os mais jovens. 

Para esta crônica, com uma certa pinta de resenha, aprendi um pouco com ninguém menos que José de Alencar, o mais representativo dos nossos românticos, relendo os folhetins que ele publicou de 1854 a 1856 na imprensa da corte, quando ainda se achava entre os vinte e cinco e os vinte e sete anos de idade. Portanto, mais jovem, bem mais jovem do que eu. 

Mas definamos o folhetim alencarino, ou alencariano, como queiram, para não confundi-lo com as novelas e os romances que eram oferecidos em capítulos nos jornais da época e que levavam o mesmo nome. Segundo João Roberto Faria — no artigo “Alencar conversa com os seus leitores” (José de Alencar — Crônicas escolhidas, Editora Ática para a Folha de S.Paulo, São Paulo, 1995) —, o folhetim, no sentido em que o consideramos aqui, “era um texto mais longo [do que a crônica], publicado geralmente aos domingos no rodapé da primeira página do jornal, e seu primeiro objetivo era comentar e passar em revista os principais fatos da semana, fossem eles alegres ou tristes, sérios ou banais, econômicos ou políticos, sociais ou culturais”. 

E os escritos de Alencar nos dois jornais em que exercitou sua pena de folhetinista — Correio Mercantil e Diário do Rio de Janeiro — tratam efetivamente de todas essas coisas. O mundo do seu “relatório” hebdomadário é a corte: as grandezas e misérias do Rio de Janeiro, os espetáculos teatrais e operísticos, o cotidiano da cidade em seus costumes e comportamento, as datas festivas, a política ministerial, e por aí vai. Há também muita reflexão sobre a moda daqueles tempos, os hábitos do dia-a-dia das “mocinhas do tom”, os bailes, os salões, os sabores e dissabores da vida ao ar livre. Quanto à moda, o curioso é que já encontramos nesse rapazola as palavras fashion e fashionable, hoje tão corriqueiras entre nós. O estilo dos textos é sempre o da crônica, leve e casual, ágil e bem-humorado. Mas reparemos, por outro lado, que a arraia-miúda não tem vez nos seus folhetins, já que as folhas do Império contavam com um reduzidíssimo público letrado em cujo seio, salvo por um punhado de poetas ou de meia dúzia dos chamados liberais, não palpitavam ainda as grandes questões de cunho social. Em suma, não há pobres nem negros nessas páginas. Isso não chega a desmerecer o nosso futuro indianista. Ainda que imerso no espírito de sua própria época, vislumbramos aqui e ali, ao longo de todo o livro, um jovem espiritualmente bastante propenso a acatar idéias novas e libertadoras. 

Quando se ocupa de fatos internacionais, pode dizer delícias como esta para o leitor de hoje: “Há três ou quatro vapores soubemos que se preparava a expedição da Criméia...” Quantos navios chegados ao nosso porto foram necessários para noticiar e/ou comentar o andamento desse grande conflito internacional, um importante capítulo do expansionismo russo nos Bálcãs e na região entre os mares Negro e Mediterrâneo? 

Como se vê, “todo esse público da corte” tocava lentamente a vida, ia ao teatro, à ópera, aos salões e saraus, à rua do Ouvidor (temos aí uma bela página alencarina sobre a flânerie elegante) ou ao Passeio Público, para “tomar fresco”. Ou falar mal da vida alheia, essa mania universal comentada com espírito de fineza pelo autor na “folha solta” que encerra a coletânea. 

A voz de Alencar nos seus folhetins é a de escritor feliz com o ofício, curioso de tudo à sua volta e antenado criticamente com o curso dos valores no interior de uma elite refém de suas “niilidades”.
Em certo momento, abre o coração: “Não há nada como ser folhetinista [cronista].” E não há mesmo. 


[20.1.2007]