Agora sou um jovem senhor do tempo
Ontem me diziam que eu era um jovem lindo, simpático, sonhador, um milagre divino. Eu era sim um alegre rapaz sorridente, com braços fortes, volúveis, perfil de vencedor. Meus desejos e defeitos se reluziam em meu olhar. Meus sorrisos, minhas vontades, meus amores eram tudo o que em mim faziam acreditar que um dia, talvez quando eu chegasse até aqui, me orgulharia de tudo o que fiz, ou deixei de cometer.
Naquela época, o rádio de pilha que cantava Chico e Caetano, e a flor da janela que desabrochava em dias de sol, me inspiravam a escrever poemas. Eram palavras meio tortas escritas no papel de pão. Eu olhava aquela mulher e aquele pássaro que cantava, e de amor, aos céus, eu dizia os meus sentimentos.
Eu era um poeta do tempo. Um poeta de dor e de amor. Poeta da vida. Bardo, vate, trovador. Um homem que aos santos renunciava sua glória. Despedia em mim o mal pecado, e apresentava ao mundo o valente romântico, que em momentos de tempestade, abria um largo e vasto sorriso, que denunciava aos viris o legado deixado por meus pais: nunca deixes se abater por o que, ou quem, não é feliz. A vida é linda, é muito linda para se derrubar lágrimas que não sejam de alegrias.
Então criei a minha alma como se fosse um anjo. Sempre ao lado do criador agradeci, pedi perdão, supliquei ajuda e, sobriamente, que o tempo não passasse. Não consegui convencer ao Senhor para ele parar o tempo, e hoje estou aqui...
Talvez se a estação da primavera dos anos da brilhantina permanecesse por até hoje, eu ainda conquistaria o broto de vestido rosa que passara pela Praça da Catedral, poderia dizer três belas frases de afeto, e com meu sorriso branco e brando encantasse o teu coração. Pode ser que a bela donzela, de cabelos louros e cacheados, não me cedesse um lugar para sentar quando eu chegasse para alimentar os pombos, mas alimentá-los-iam comigo.
Se aquele inverno intenso, e aquele outono de folhas secas, estivessem por aqui até hoje, eu me sentiria um Don Juan do meu vilarejo. Ainda andasse com o casaco cor de verniz importado do meu avô, e o cachecol de seda cinza, que apenas eu apresentava pelas ruas.
Se todo aquele tempo ainda estivesse por aqui, as meninas respeitariam os seus corpos e conteriam as suas vontades, e os rapazes seriam homens até depois da maioridade completada.
Em minha época de luz, o amor que eu sentia pela mulher da minha vida era o amor em que presenteava as estrelas mais lindas do céu. Era o motivo de meus belos poemas e poesias. Meu rádio de pilha tocava João e Maria de Chico, e Peninha e Caetano e Marisa e Poesia em canção.
A trilha sonora de minha vida era a voz de uma mulher apaixonada.
Agora, uma menina virgem de tantos 15 anos me chamou de Senhor. E com minha boina virada de lado, alimentando os pombos, me lembro dos poemas que escrevi e rejeito ao senhor, perguntando, pois, porque um dia o tempo não parou naquela estação, se a estação divina era aquela. Um beijo era o sonho ao sino de Belém e um amor era perfeito ao meu coração.
Pois então, Deus, a doce menina virgem me disse que sou um Senhor. Um Senhoril que alimenta pombos na praça.
Mas porque se ainda vivo nos tempos da felicidade, nas memórias de meu bem, de meus papeis de pão. Pois porque Senhor, mesmo com cabelos brancos, mãos enrugadas, e uma bengala como baldrame, os tempos onde meus poemas refletiam histórias de donzelas inocentes e apaixonadas, porque se foram...
A doce inocente me chamou de Senhor e sorri para ela...
Como eu queria voltar naquela estação e conquistá-la com meu sorriso brando e encantador, mas Deus não me ouviu, e sabiamente fez o tempo passar.
Agora sou um senhor, um belo e jovem senhor dessa estação, e a delicada menina me destina um lugar para sentar no banco da praça. E olhando para ela me lembro: ontem eu era um milagre divino. O tempo passou, e agora sou apenas um jovem Senhor, esperando a eternidade chegar.