A solidariedade de Natalino
Não é Natal, mas acabei de estar com Natalino, e mais uma me vez ganhei uma hora de prazer em estar com este jovem de vinte anos e grande estatura, nascido em um vinte cinco de dezembro, em um lar complicado em uma pequena roça uma roça onde há jumentos, cavalos, vacas, éguas e gambás. A família alcoólatra; a mãe morreu, a avó que o criava morreu, e sobrou-lhe um tio que a qualquer hora será conduzido ao cemitério, vitimado por uma cirrose hepática. Esse é “lar” do meu amigo que conheci na APAE entre outros alunos especiais, quando era criança (que ainda é) e aceitava a escola. Natalino hoje é um cliente do Centro de Atendimento Pisco Social – CAPS, onde se revela como um bom paciente, respeitador e amigo da assistente social ao psicólogo. Mas faz uso de medicamentos pesados, como assim chamamos aquelas drogas que lhe ministram.
Certo tempo, como em nossa cidade não há local de internamento, e quando houve uma crise de entendimento entre ele e o tio, a Justiça determinou que em curto prazo Natalino, então com 17 anos, ficasse sobre guarda dos “Irmãos Matias”, dois dedicados policiais civis que residem em um ex-complexo policial transformado em cadeia temporária para presos com menor periculosidade. Claro que Natalino nem era um preso e também não participava da vida carcerária, se alojava no mesmo espaço dos policiais em um quartinho arrumado para ele. E passamos a ver Natalino durante o dia no banco de carona na viatura que circulava para buscar as marmitas dos presos, ou especialmente para levá-lo ao CAPS, foi um período alegre para o jovem. Só o víamos sorrindo.
O nosso Natalino é puro como um Menino Jesus, mas “pecador” como os homens. Completou dezoito anos, saiu da guarda dos irmãos policiais, mas deles continua amigo. Hoje tem a chave do barraco onde mora com o tio, espontaneamente comparece ao seu tratamento no CAPS. Sua fala é difícil de entender, por isso quando quero um papo com o amigo dou uma ou duas voltas de carro na cidade, só eu e ele, dirigindo bem devagar, em voltas que duram mais de uma hora, e ai nos entendemos. Ele adora andar de carro! Em todos nossos encontros ligeiros ou com tempo à vontade, tiro do bolso um real, nem mais nem menos, e ele corre para comprar algo de comer. Houve um tempo em que ele, por alguma crise, passava a mão no bumbum das mulheres. Era um pânico quando elas viam o Natalino se aproximar. Não acontecia com a minha mulher, minhas filhas, com minha afilhada, ou com outra mulher que eu o apresentasse. Afinal ele é meu amigo!
Natalino passou esta crise, mas continua com a “crise” de honestidade e de solidariedade que me faz chorar quando falo dele. Uma noite durante um evento eu estava em uma roda de pessoas, quando se achegou Natalino e me pediu o tal um real de sempre, e eu não tinha trocado! Saquei do bolso uma nota de dez reais entreguei-lhe e pedi que trouxesse o troco. Natalino se foi, os que ali estavam riram e julgavam que eu havia perdido todo o dinheiro. Meia hora após ele re-aparece e me entrega exatos nove reais. Todos ficaram surpresos! Em uma outra ocasião o Natalino me encontra, em uma tarde de domingo, e eu sem uma moedinha sequer. Fiz para ele o mesmo gesto que ele me faz para dizer que está com fome, espalmando com as duas mãos a minha barriga. Após um sinal de positivo ele saiu pedindo reais a outros que também já o conhecem. Consegui! Atravessou a praça entrou em pastelaria, de onde saiu com dois apetitosos pastéis. Um era meu!
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(*) Seu Pedro é jornalista do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.