O QUE QUEREMOS DE NÓS MESMOS?

Haverá sempre uma saudade que nos perturbará. Não, necessariamente, das coisas que ficaram. De tudo o que somos ou faremos: dentro de nós fomenta sempre uma possibilidade. Quem saberá do gênio que habita as nossas conclusões? Quantas pessoas nos honrarão com o reconhecimento? Quem está pronto para conviver com o meu destino? Há uma existência egoísta e bacharelada em nossos pensares mais cotidianos; avisam-nos que uma hora cada um de nós será catarse. Ocorre que o tempo, prudente como uma faixa de pedestres, apenas atravessa. E o que fica? – um diálogo franco e consistente que se trava, cada qual, com o seu agente-alma. Poucas vezes conseguimos ser tão leais. Talvez a maioria nem consiga outra verdade. E nesse papo aberto, restrito apenas a mim e a mim mesmo, a você e a você mesmo, a ele ou a ela, mesmo e mesma, encontra-se quem somos e quem não fomos. Do que seremos, nunca se sabe, apenas suspeita-se. E dessa conversa nascerão convicções entusiastas, ainda que o que o almejado seja a vida ao morno. Decerto, sobrarão todas as dúvidas possíveis, os desaforos dos desencontros, o deixado pela falta de atitude, as bifurcações tomadas pelo lado errado: a nossa genialidade, todo o nosso merecimento às honrarias, o meu destino peculiar: nada disso funcionou. Francamente, se o mundo não sabe das minhas possibilidades, elas não existem! E daí que Beethoven era surdo? Surdos seríamos se a nona tivesse ficado guardada em seu pensamento! De que vale a melodia cantada apenas na sua cabeça? Caso ninguém mais a assovie, é apenas uma idéia presa. Nula. Morta. O que nos reserva é a liberdade, mas isso só o tempo fará. De resto, ainda nos preocupamos com o que deu certo em nosso vizinho. E reconsideraremos o que fomos, redimensionaremos o que somos e quem sabe pensaremos concretamente no que será. De resto, o que fica é sempre uma saudade.