Passeio inesquecível
Continuo a narrar minhas viagens, no pressuposto de que você, benevolente leitor, lerá o que lhe envio por e-mail. A paciência é uma nobre virtude, sabemos todos. Espero que o limite de sua tolerância seja bastante elástico, proporcionando-me a satisfação de ser lido por tão indulgente pessoa.
Pois bem. Ao final da tarde de 10 de julho de 2007, havíamos atravessado em um único dia, as fronteiras de três países: França, Bélgica e Holanda. No Brasil, gastamos mais de vinte e quatro horas percorrendo apenas o estado da Bahia. Naquela oportunidade, transitamos pelos territórios francês e holandês, sem nos deter uma única vez, usando-os como corredores de passagem.
Deixamos o trânsito esquisito de Londres, com destino a Bruges, localidade medieval fundada às margens do rio Zwin, nos longínquos séculos VII a IX. Ali, andamos por ruas milenares, visitamos lojas, adquirimos produtos típicos, como as lindas bonecas de louça, que seriam presenteadas à Isabelle, nossa netinha de quase três anos. (Isabelle é a princesa da casa real da Família Braga). Apreciamos prédios, igrejas, monumentos e canais que deslizam sob pontes antigas e nos quais navegam pequenas embarcações lotadas de turistas.
Parques, jardins, patos, cisnes e outras aves aquáticas não se esconderam de nossos olhos atentos e deslumbrados. Tudo fizemos para aproveitar ao máximo os felizes momentos passados nesse significativo e belo patrimônio europeu.
As casas nas ruas de Bruges parecem flutuar nas águas frias dos canais, em agradável comparação com Veneza, de quem falarei em outra oportunidade.
O campanário e certos edifícios da milenar localidade foram construídos em 1240. Para ter acesso à torre do campanário, de oitenta e três metros, o visitante terá de subir trezentos e sessenta e seis degraus. Uma jornada difícil.
Os habitantes da cidade equiparam a Torre da Atalaia à Torre Eiffel. Para eles, esses monumentos têm a mesma importância turística. Ali se encontra instalado um carrilhão com quarenta e sete sinos, pesando vinte e sete toneladas. Em dias festivos, seu som é ouvido pela população distante.
Desta vez, Matilde e eu não visitamos a basílica do Santo Sangue, nossa conhecida de outra ocasião. Augusto e Cristina, sim, conheceram a relíquia do Sangue Sagrado, que teria sido trazido de Jerusalém, em 1150.
Encerramos a visita a Bruges já um pouco saudosos. Mércia ficou maravilhada com a cidade, que lhe pareceu um paraíso encantado. Diz que ainda hoje sonha andando por suas ruas aconchegantes.
Para a posteridade e memória desse inesquecível passeio, fotografamos lugares românticos e pitorescos, percorridos por carruagens puxadas a cavalo, cujo cavalgar ecoava nas ruas calçadas de pedra.
Anos depois, voltamos à Bélgica, desta feita para conhecermos Bruxelas, a capital da União Europeia e também da Bélgica, país situado abaixo do nível do mar, sem elevações montanhosas, formando uma planície agradável à vista.
A população de Bruxelas é de um milhão de habitantes. É a segunda maior cidade arborizada do mundo, com quarenta metros quadrados de verde por habitante.
Na Bélgica são falados os idiomas francês e flamenco. Os belgas não gostam de ser comparados aos holandeses, talvez por possuírem personalidade forte, que também os distingue do povo alemão. Assim pensam os habitantes desse pequeno rincão, disciplinado e orgulhoso de seu desenvolvimento, tendo a França como um dos vizinhos.
O país possui excelente infraestrutura de transportes, com ferrovias e autoestradas sinalizadas e iluminadas por luz elétrica em toda sua extensão. Seus rios são navegáveis e desfrutam dessa condição para crescimento da atividade econômica.
Em passeio pelo centro da cidade, fundada no ano 580, fomos guiados por um cicerone que nos levou a conhecer a Praça do Mercado, a “mais bela do mundo”, nas palavras de Victor Hugo, que lá residiu. A praça é realmente bonita, tem forma retangular, mede cento e dez metros de comprimento por sessenta e oito de largura, onde se encontram a casa do rei, um lindo campanário e diversos edifícios do século XVII.
Ainda passeando, vimos a catedral construída em 1225, dedicada a São Miguel; a fonte de Netuno, cópia de sua congênere de Bolonha, na Itália; a capela real, dedicada a São Tiago; os ministérios em torno do palácio real; o parlamento europeu, com cinquenta mil burocratas, o maior do mundo (perde de goleada para o Congresso Nacional brasileiro); a primeira galeria comercial da Europa, construída em 1847, local onde Victor Hugo escreveu Os Miseráveis; o palácio real e a graciosa estatueta de Mannekeen-Pis, famosa até em países estrangeiros. Conta-se que esse pequeno herói teria se perdido do pai em dia de grande festividade pública. Dias depois, foi encontrado na Rua Etuve, onde hoje sua estátua jorra água da genitália.
Talvez, Mannekeen-Pis seja a figura mais bem vestida mundo afora. Em diversos países, sua estatueta é ornamentada por roupas do folclore nacional. No Brasil, veste o uniforme esportivo do Botafogo, tradicional time de futebol carioca. Ainda bem que não é do Flamengo. Melhor seria tê-lo vestido com roupas de cangaceiro, como as usadas por Lampião, o rei do cangaço. Assim, seriam satisfeitos o folclore e a tradição.
Ao final da visita a Bruxelas, junto à estátua de Everard Serclaes, os visitantes pediram a realização de variados desejos: saúde, dinheiro, sorte nas cartas de baralho e no amor.
No dia 13 de julho de 2007, saímos de Bruxelas com destino a Paris, de onde seguimos imediatamente para Berna, na Suíça, após trocarmos de ônibus e de guia turístico.
Faço um parêntese nesta narrativa, para falar de Maria, nossa cicerone, que nos deixou exatamente em Paris, substituída por Christian Cahen, um bom carioca com quem estivemos até o término da excursão.
A Maria, alegre, amável e simpática, nos brindou com histórias de suas andanças pelas autoestradas europeias, envolvendo seus passageiros. Contou-nos, para descontrair o grupo da tensão da viagem, as seguintes pérolas de seu repertório:
"Certa feita, um mexicano saiu pelo corredor do ônibus distribuindo tabletes aos companheiros de viagem. Assegurava-lhes ser de excelente paladar a balinha oferecida como demonstração de amizade. Lá pelas tantas, todos dormiam a sono solto. Alguns roncavam. Pablo oferecera um sonífero aos incautos passageiros".
"Em outra ocasião (continuou Maria), um turista, sentado próximo à janela do ônibus, abrindo-a, recebeu forte lufada de vento no rosto, a ponto de a dentadura sair-lhe da boca e cair sobre o motorista, que dirigia atentamente. Paco, o condutor do veículo, assustado, elevou as mãos para o alto, na tentativa de se proteger, não sabia do quê. Nisso, a dentadura do passageiro foi atirada pela janela do ônibus e caiu no asfalto escaldante. O passageiro implorava ao motorista para parar o veículo, a fim de recuperar os dentes postiços. O incidente atrasou a viagem por algum tempo, pois a dentadura custou a ser localizada na movimenta estrada".
Turista ri de tudo. De toda bobagem. Em nosso caso, ríamos, às gargalhadas, quando Maria, para chamar a atenção do grupo para alguma informação, emitia um som gutural que somente ela sabia fazer.
Hoje, falei de Bruges e de Bruxelas. Na simplicidade de meus comentários, narrei fielmente o que vi e apreciei. Nada disse, porém, sobre a excelente cerveja que bebi, saboreando cada gota do líquido dourado, encimado por uma faixa branca de espuma, coroando merecidamente a excelente e milenar bebida. A Bélgica produz 1.500 tipos de cerveja. A mais rara do mundo chama-se Trapista.
Se você já não estiver aborrecido com o envio dos meus textos, leia a próxima Crônica do Dia sobre minhas visitas a Holanda. Em oportunidade futura, com sua permissão, falarei das viagens que fiz à Itália. Na ocasião, levá-lo-ei a conhecer Roma, Vaticano, Veneza, Florença, Pisa, Ilha de Capri e Pompeia. Depois... Bom, o amanhã a Deus pertence. Ele proverá!