MANHÃS DE INVERNO
O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.
MANHÃS DE INVERNO
Quem já passou uma só noite de inverno numa das regiões serranas de Santa Catarina sabe dizer o que é frio. Pois Rio Negrinho é uma dessas. Quando amanhecia, pelas janelas do dormitório a gente via somente aquele lençol branco cobrindo tudo. O barranco, os telhados das casas vizinhas e distantes, os morros, a natureza inteira parecia ter recebido forte demão de caiação durante a noite.
Ao levantarmos, abríamos as torneiras do lavatório pra passar água nos olhos a fim de espantar a soneira, cadê a água? Congelada dentro do encanamento. Se alguma torneira ficasse pingando durante a noite, os pingos iam-se congelando um em cima do outro, resultando uma formação semelhante ao estalagmite nas cavernas ou como a cera que se derrama das velas.
— Oba, melhor assim! Pelo menos não é preciso me lavar nessa água fria! — exclamei na primeira manhã em que tal aconteceu, já me dispondo a trocar as roupas.
Enganei-me redondamente. Mal tinha tirado a camisa do pijama, apareceu o Padre Tito só de calção e toalha sobre os ombros à porta do dormitório e já foi gritando.
— Vistam calção, peguem sabonete e toalha e façam fila! Rápido, rápido! Andem depressa, seus moloides! — ordenou querendo pressa.
— Onde será que esse maluco vai levar a gente neste frio? — pensei já desconfiado.
Pois não deu outra. Em ritmo acelerado, tivemos que descer a ladeira em fila, atravessar a estrada, o campo de futebol e um cerrado e fomos lavar-nos no rio. Lavar o rosto somente não. Tínhamos que dar um mergulho, ensaboar-nos e mergulhar novamente pra tirar o sabão. Quem se negasse a fazê-lo, o padre empurrava pra água. E não podíamos achar ruim, porque ele era o primeiro a fazê-lo.
Em muitas manhãs era preciso quebrar o gelo que se formava sobre a água parada à beira do rio pouco correntoso, pra podermos entrar.