Banzo

Foi minha avó quem me contou: meu bisavô morreu de banzo num navio negreiro.

Minha bisavó estava no mesmo navio, grávida de minha avó e viu tudo. Ele foi ficando triste, triste, não comia mais, acabou morrendo. Minha bisavó contou a história para minha avó, que contou para minha mãe, que contou para mim. E agora eu conto para vocês.

Minha avó contou que, quando estavam na África, meu bisavô era um jovem muito ativo e divertido. Caçava e repartia a caça com outros menos dotados, fosse por velhice ou por tenra juventude. Depois da caça ia para o seu abrigo e, junto com a família, contava história de seus antepassados, quase sempre louvando seus feitos, mas às vezes eram simples anedotas, em que todos riam muito. Ele tinha um cuidado especial com os seus filhos, amando-os muito. Ele era muito respeitado pela tribo, pela inteligência e senso de justiça, resolvendo as diferenças entre litigantes. Como era muito senhor de si, sua segurança fazia com que escapasse de situações difíceis que costumam acontecer na selva.

É uma história interessante para se pensar aquela em que, ele e um amigo, defrontaram-se com uma fera faminta. Meu bisavô escapou apenas pelo sangue frio. O amigo, que entrou em pânico, inseguro, sem saber o que fazer, acabou alimentando a fera, pois congelou, enquanto meu bisavô, seguro de si, conseguiu ver uma saída para escapar. Isso me fez pensar que a evolução não é resultado da lei do mais forte, mas do melhor adaptado. E o melhor adaptado é o melhor educado, o que tem mais conhecimento, mais sabedoria. Como aprendi agora: somos descendentes dos que aprenderam, já que os que não aprenderam, sucumbiram.

Quando houve a grande caçada de nativos da tribo para o navio negreiro português, meu bisavô foi apanhado à força, junto com os seus. Sempre me pus a pensar porque ele havia escapado da fera e tenha sido apanhado pelos homens. Nunca pude saber ao certo como ele se deixou apanhar. Mas sei por que ele morreu.

Fico imaginando-o no navio negreiro, com minha bisavó grávida no porão. Percebo o quanto sentiu a falta de liberdade a que estava acostumado e, como anteviu a vida de escravidão que o esperava.

Sua sobrevivência estava em alto risco, juntamente com a sobrevivência da sua prole.

De repente ele não podia sentir mais o amor da mulher nem dos filhos e amigos.

De repente, não era mais respeitado.

Não havia nem mais haveria riso e diversão.

Quando lhe tiraram a liberdade, tiraram-lhe a vida.

O banzo, afinal de contas, é o que os brancos chamam agora de depressão.

Meu bisavô morreu de depressão...