É dia de não fazer nada

Dia de luz, festa do Sol, e o barquinho a deslizar no azul, azul do mar... o dia iniciava assim, tão carioca que eu, recifense nato, já puxava meu “s”, era domingo, dia que por si só já lembra cansaço, morosidade, sonolência, e é enfrentado pelos esportes, que tentam acender uma chama nas quebradas das ondas, que tragam minha energia.

Eu não estava diferente, me sentindo aliviado pela noite bem-dormida, rezei a Deus que me concedesse um retrocesso, um outro sábado para ter um outro domingo para recordar, tomar café da manhã com o jornal inteiro, sem o reboliço rotineiro das mãos cansadas das crianças, e poder acompanhá-lo de um café, quem sabe lê-lo inteiro, esse é o dia perfeito, o dia de meu Deus Enquanto as horas passam, me sinto humano, um brasileiro, que com sua preguiça inspirou até Lobato a sair de sua inércia e pintar um belo retrato nas páginas de um tal sítio, que de amarelo tem o Sol, fazendo oposição ao Jeca Tatu, amarelo, ligo a televisão, relembro-me de que é domingo, as belas mulheres, os comerciais, como sempre convidativos, inventam mais maneiras de chamar minha atenção, e me chamam para um bar, um botequim, a beira mar, Copacabana.

Divaguei, estou em Recife, almoço a velha feijoada tão peculiar, não vejo graça em comer tal iguaria numa segunda, até porque não terei tempo de recostar-me no sofá, dando início a minha sesta, só o domingo mesmo. Cedi aos braços de Morfeu, deus do domingo, sonolento, acordei, já com a camisa de meu time, gritando, berrando, vibrando, era domingo. Aquele dia em que a fugacidade do tempo se torna latente, ao termos tanto tempo livre que não sabemos o que fazer, simplesmente o desperdiçamos, fumando, bebendo, dormindo, “domingando”.

Sou despertado de minha leveza dominical, há algo que me infortuna, me cutuca, a voz da razão, que por vezes é a mesma da chatice, se levanta, e por ousadia exige movimentos tão bruscos para uma tarde de domingo, que preguiça, se até o Pai descansou, o que faço eu me mexendo, só minha mãe mesmo, vamos a Igreja.

De longe ouço os sinos badalarem, imagino um cenário divino, sem semáforos, buzinas, pessoas, só eu e o Pai, que sonho, caio na real, o chuveiro queimou, minha irmã me apressa, o elevador chegou.

Chegando a Igreja me ajoelho, com devoção tal que me ponho num papel de um escoteiro que sabiamente usa seus conhecimentos para fincar a bandeira em novos territórios, queria recrutar mais escoteiros, me admiro, eles estão ali sem eu nem chamar, são os sinos, acordando aqueles que como eu, deixam seu time numa tarde de domingo para acreditar numa ressurreição.

Iniciando a missa, penso no dia que passei, quero me livrar de trabalhos, esforços, atividades, tranquilizantes não me tirarão dessa, não sofri o suficiente, vou comungar, peço perdão com o corpo de Cristo na mão, vejo homens e mulheres como eu, deixando grudar no céu de suas bocas um pedacinho do Céu, a única esperança de que Ele foi superior, aquele que diferente de nós morreu, como eu queria morrer, mas teve lições suficientes para voltar, e tomar do mesmo vinho, no mesmo corpo, por isso, eu comungo, na mesma mesa, espero um dia poder sentar com Ele, tomando um pouco de suas lições, parando para descansar num dia peculiar, apelidada de domingo, volto para casa cansado demais, tomei minhas pílulas, minha dose de mau humor e já me sinto pronto, para a segunda.

Gabriel Amorim 16/06/2013 http://devaneiospalavras.blogspot.com.br/

Gabriel Melo Amorim
Enviado por Gabriel Melo Amorim em 05/10/2013
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