OITENTA E NOVE ANOS

É uma conquista chegar aos 89 anos. Alcançar essa idade, hoje, considero uma graça de Deus, de quem, conforme já disse tantas vezes, só recebi, até agora, bênçãos: os pais que me deu; os irmãos que ganhei; a educação iniciada pela minha mãe, que me desasnou e me incentivou a ler; o emprego que conquistei e me deu segurança na vida, e a esposa – Brasília, que coroou de felicidade os meus dias.

Deus também orientou a minha conduta no desempenho de minhas funções no Banco do Brasil e fez com que fosse conquistando, gradativamente, cargos ascendentes, até chegar à gerência na minha cidade, num caso inédito, ou raro, de permanência numa mesma cidade, Mossoró, onde nasci e vivi quase cinquenta anos. Só quando estava prestes a completar trinta anos de casa e sete anos e meio de gerência (quando o regulamento só permitia até cinco, para um salutar e proveitoso rodízio), fui transferido para Caruaru, cidade que nos acolheu carinhosamente, a mim e a minha família, e onde nos demos – eu, Brasília e os filhos que nos acompanharam - nos demos muito bem e fomos felizes. E quando estava lá fui promovido, por merecimento, ao último posto da carreira efetiva.

Mas, já estando com trinta e dois anos e meio de serviço – tempo mais que suficiente para aposentar-me – e necessitando dar assistência mais efetiva aos cinco filhos que ficaram em Natal, preparando-se para o vestibular nas diversas áreas – desliguei-me do Banco em julho de 1976, após o fechamento do balanço semestral. Senti uma emoção muito grande, a ponto de não conter o choro, quando, após chegar em casa, refletindo que aquele fora o meu último dia de expediente no Banco - quebrando uma rotina diária de mais de trinta e dois anos de serviço. Recebemos da sociedade e dos empresários de Caruaru muitas homenagens de despedida.

Ao chegarmos a Natal ocupamos a casa onde já moravam cinco filhos e um sobrinho, tornando-se muito pequena para acomodar-nos. Então, assim que pude iniciei a construção de uma nova casa em terreno que já adquirira há anos, uma casa grande, com duas salas, quatro quartos grandes, garagem ampla, dois terraços e grande quintal. E então nos mudamos. Acomodados, dei início ao plantio de fruteiras e a um jardim, eu próprio, com as minhas mãos na terra, como sempre gostei. Ao cabo de poucos meses o jardim passou a merecer elogios de quem o via. Em Mossoró, recebi de Jorge Pinto duas mudas de palmeiras imperiais que plantei e ainda estão lá, altaneiras e belas. Poucos anos depois, resolvi construir uma piscina, reunindo, aos domingos, os filhos e amigos. Vivia uma vida de dolce far niente: tomando banho de piscina, lendo, ouvindo música, muito mais do que pedira a Deus.

Mas, o tempo não para. Os filhos foram casando, outros comprando apartamento para ter vida própria, independente. Então, Brasília quis sair de lá para morarmos num apartamento. E o que iria fazer com o viveiro, todo de ipê, confeccionado em Mossoró, presente do compadre Zenildo Duarte? Como desfazer-me do meu papagaio falador, do meu corrupião, da graúna que trouxera de Tibau e me acordava todas as madrugadas com seus trinados silvestres? Com muito sacrifício e com pagamento completado com financiamento da Caixa Econômica, compramos o apartamento onde moramos desde 1987. Ainda trouxe os pássaros, mas, com o tempo tive que me desfazer deles: o papagaio, levei-o para Mossoró, para a casa onde moravam minhas irmãs e onde, algum tempo depois, morreu de saudade. O papagaio que, toda vez que alguém tocava na cigarra, lá fora, respondia “já vai” e que imitava perfeitamente a risada de uma pessoa que trabalhava lá em casa, e que imitava também, embora não com perfeição, o canto da graúna; certamente sentiu saudade de tudo isso, pois os animais, como nós, acredito, têm sentimento. Pois bem, o corrupião e a graúna, vendi-os, pelo que ainda hoje sinto arrependimento.

Quando ainda morava na casa recebi, em 1981, um insistente convite do presidente do BANDERN para ocupar uma assessoria especial. Relutei muito, mas, afinal, aceitei. Entre as várias missões recebidas fui incumbido de preparar novo estatuto, criando duas novas diretorias, a de Crédito Rural e a Financeira, estatuto que foi aprovado pela Diretoria e pelo Banco Central. Poucos dias depois, o presidente, Dr. Álvaro Mota, me comunicou que o Governador aprovara o meu nome para ocupar a Diretoria Financeira.

Acostumado com as normas, a organização do Banco do Brasil, estranhei muito a desordem do BANDERN. Pelo menos a Diretoria que ocupava consegui estruturar e disciplinar. Em 1986, com a mudança de governo, toda a diretoria teve que renunciar para que outras pessoas a assumissem. Voltei, então, à minha inatividade. Estava com 64 anos. Organizei meu escritório, comprei um computador e fui aprendendo devagar a manipulá-lo. Lia, viajava a Mossoró, Caruaru e outras cidades. Com casa própria na praia de Tibau, construída em 1982, ia lá com frequência. E o tempo foi passando. Quando cuidei, estava com 70 anos. Quando menos esperava, pulei para os 75. Em 02.09.1997, fiz uma carta despretensiosa, sobre figuras de Mossoró, ao Dr. Jerônimo Vingt-un Rosado, fundador e presidente da Fundação Vingt-un Rosado, entidade destinada a estimular a cultura em Mossoró. A carta que lhe dirigi, publicou-a em folheto e me incentivou a escrever um livro sobre minhas lembranças de Mossoró. Tomei gosto, escrevi-o e foi publicado em abril de 1998, com uma 2ª edição em janeiro de 2003.

Tendo trabalhado no Banco do Brasil, em Mossoró, quase 30 anos, resolvi escrever a sua história. Comecei as pesquisas, as entrevistas com antigos clientes, e, após muito trabalho, publiquei, pela referida Fundação, ‘O BANCO DO BRASIL EM MOSSORÓ (1918 – 1998) – 80 ANOS’, editado em 1999. Tinha, então, 75 anos. Sempre com o incentivo de Vingt-un, continuei escrevendo. Ao todo, hoje tenho 7 livros publicados, de memórias, histórias e crônicas e, mesmo com alguma dificuldade, estou preparando mais um de crônicas e outro de história mossoroense.

Minha vida, desde alguns anos, é “engaiolado”. Pouco saio de casa, pois dependo de pessoas que possam dirigir o carro. O progresso – duvido que o seja – que já havia me retirado a visão sudeste, quando podia, de minha janela, admirar os morros, o farol de Mãe Luiza orientando os navegadores que cruzam os mares, à noite, agora estão me retirando a visão noroeste: não vou mais poder ver o Forte dos Reis Magos, a ponte sobre o Rio Potengi, o casario dos bairros da Ribeira e Rocas e parte da praia da Redinha. Vou ficar confinado, curtindo minha velhice. Até do entretenimento da leitura, a visão deficiente está me dificultando. Isso seria um conforto, pois a leitura me traria conhecimento e distração, o que seria, no entendimento de Leonardo da Vinci um conforto para a minha velhice. Ainda bem que Deus me preservou a lucidez e a condição de trabalhar nesta máquina maravilhosa, que é o computador, que me tem ajudado a vencer as horas.

Graças, pois, ao meu Deus por estes dons que me têm ajudado a enfrentar as agruras decorrentes da velhice.

Natal, 20/setembro/2013

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 30/09/2013
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