Bala de Troco
- “Pode ser bala de troco?”.
O que é uma bala de troco?
É um valor no lugar de outro.
Ora, o troco seria um centavo, cinco, talvez dez centavos, mas, certamente, não seria uma bala.
Há momentos em que uma bala é bem vinda. Porém, isso não é uma constante e em muitas situações, mesmo não querendo, aceitamos a ‘bala de troco’. Agimos, assim, para não sermos desagradáveis ou impertinentes, para que não haja confusão ou aborrecimentos, ou coisa do gênero. Mesmo em desagrado interno, dizemos: – Tá... Me dá duas ou três balas de troco no lugar do meu dinheiro. – E, ao final do dia, provavelmente, o comerciante terá colocado nos bolsos de muitos ‘balas’ indesejáveis. Em contrapartida, sorridente, terá ficado com o verdadeiro troco.
Resta saber em quais outros seguimentos da vida estamos aceitando ‘balas de troco’. No trabalho, nas amizades, na família, no amor, em todas as relações interpessoais... Será que ‘pode ser bala de troco’?
Pode ser bala de troco quando eu fizer hora extra, e, no lugar da grana, receber banco de horas? É... Por que se você não aceitar esta condição, provavelmente não se enquadrará na perspectiva do empregador... Ou, quem sabe, fazer outro tipo de trabalho, diferente daquele para o qual foi contratado? Quantas "balas de troco" para manter o seu posto ou o seu trabalho?
E aquele bom amigo, que é bom, enquanto somos bons, ou lhe favorecemos de algum modo?... Será que já recebemos ‘balas de troco’ nas amizades? E nos relacionamentos familiares, nas relações mais íntimas, amorosas e/ou sexuais, quantas ‘balas de troco’ para não ficar só?
Alguém pode argumentar – mas uma bala é doce! – Porém, há de se pensar, que apesar do sabor agradável, não é o que nos pertence verdadeiramente... Também não tem o mesmo valor! E, na maior parte das vezes, nem é o que esperamos ou desejamos...
E no casamento, no amor, quantas ‘balas de troco’ já receberam? Quanto abrir mão da verdade, para receber “algo doce” em substituição... Doce e inconsistente!
Entramos, muitas vezes vezes, em situações e relações que não nos agradam, recebemos menos do que esperávamos, ou algo que não queríamos, apenas para manter a vida dentro da “normalidade”. Achando que se falar: - “Não, obrigada! Prefiro meu dinheiro, meu amor, minha dignidade”, irá ofender o companheiro, ficar sem trabalho, sem amor, sem amigo, sem família, sem nada... Sem moeda e sem bala... Mas... quanto, de fato, vale essa bala?
O dizer “não” àquilo que não se quer, não precisa ser necessariamente algo agressivo. Não há necessidade de desmantelar a realidade à nossa volta, ao contrário, pode ser apenas um modo de organizar o nosso mundo interno... Ou, ao modo de Maria Gadú: “Pode ser até pouquinho, sendo só pra mim, sim”.
– Àh... Mas que egoísta! - Alguém pode dizer...
Entretanto, quando sorrio e aceito o que não quero por medo de perder, por receio de desagradar, não trilho o caminho da hipocrisia? Dizer “não”, inversamente ao que parece, pode ser algo muito coerente. Em alguns momentos, é dizer: - “Olha, o que você tem pra me oferecer, do modo como tem pra me oferecer, não é o que eu quero receber”... Assim, as relações tendem a ser mais genuínas. Posso receber pouco amor, mas de verdade. Ganhar menos, mas não me sentirei explorado. Deste modo, poderei olhar no olho do outro com franqueza e com amor, porquanto não tenho cobranças e não há fingimento.
Também, se recebi o pouco que esperava, terei o coração mais tranquilo, não me sentirei ludibriado. Desse modo, será mais simples construir verdadeiras relações, relações embasadas na confiança e no respeito.
Isto soa como quimérico... Acho que até para mim...
Mas o que percebo é que já foram tantas ‘balas de troco’, que os verdadeiros princípios e os sentimentos genuínos perderam o sentido e a coerência. Quem sabe, será necessário um esforço maior para se colocar maisautenticidade na vida. Talvez, recusar o doce amargor de uma bala imposta, trará pequenos, mas suaves e agradáveis sabores. E, mais importante: sabores desejados, aceitos e permitidos.