AS TARDES
Novamente as tardes, já tão faladas em minhas crônicas. Poderia aproveitá-las para ler, mas a vista não me deixa mais. Ouvir música também seria uma boa opção, mas – perdoem-me a expressão – mas não estou com “saco” hoje; tentei, mas não deu. Outra opção seria reorganizar meu escritório, que está necessitando de uma demão, porém não estou com disposição. Nada me animou, nada me anima. Então, fui à varanda e contemplei o céu: está belo como nunca, azul de Norte a Sul. Nem um fiapo de nuvem. Olhando-o, uma voz perguntou à minha alma: - este céu assim azul nada lhe diz? Aí, fechei os olhos e pensei. Este céu assim azul dentro de mais algumas horas estará escuro e cheio de estrelas, pois já passou a estação das chuvas e já estamos em setembro, que chamo o meu mês mágico, aquele no qual, há quase oitenta e nove anos, abri os olhos assustados para um mundo desconhecido. Então, deu-me um estalo, assim como uma injeção de ânimo. Voltei ao escritório e sentei-me em frente ao computador buscando um tema, um assim para escrever. Mas, escrever o quê: uma poesia, um conto, uma crônica? Pedi a mim mesmo um tempo para pensar. E fechei os olhos.
E nesse fechar de olhos fiz, mentalmente, um longo retrospecto: quase adormeço. Fui longe. Retroagi aos tempos lúdicos da infância e da adolescência, porém, mesmo nesse torpor raciocinei: quem costuma me ler já está saturado dessas relembranças. Procurei algo, um acontecimento do qual eu tenha sido protagonista ou haja presenciado, coisa inédita. Nada. - Céus, valham-me! Para que disse à minha alma para sentar-me ao computador e escrever? E novamente algo lá dentro me disse: fale sobre a vida, você não já viveu tanto? Conte as suas experiências. Você, que estudou tanto, que trabalhou tanto, que amou tanto, não tem nada a dizer?
Ah, não, hoje estou mesmo sem inspiração. Dei uma revoada sobre Mossoró, onde vivi cinquenta anos e só uma onda de saudade me invadiu, mas, apesar da minha melancolia nesta tarde, não quero falar no assunto, até porque já falei demais. Recordei os diversos lugares onde fui e aos quais gostaria de retornar, Salvador, Fortaleza, Belém, Manaus, Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e... Mossoró. Ah, como gostaria de revê-las! Oh, tempo, o que fizestes de mim que agora me prendes em casa, só aguardando o dia de conhecer outro lugar, o definitivo?
Disse que não estava com “saco” para ouvir música, mas, a certa altura destas garatujas, levantei-me e coloquei no som um CD de Jo Basile, cantando no acordeom mágico as noites de Paris, que nunca conheci, mas, através de suas músicas, imagino como são belas. Dele, também, “Noites de Roma”. Ah, meu Deus, por que nunca fui lá? Por que fiquei preso em Mossoró tanto tempo? A terra, o calor, os pais, os filhos, os amigos, as tardes, suas noites, seus pastoris, suas boates (porque não dizê-lo?), suas madrugadas, suas serenatas?
Nada. Só tédio. Se eu fosse um filósofo, falaria sobre a vida, como tantos já falaram, quase a dissecaram em todas as suas ”modalidades”. Pra que deixei a janela aberta? Está ventando bastante e, como sempre, o vento me traz vozes, me traz mensagens, mas, nesta tarde, estão ininteligíveis. Parece que vêm de muito longe e não me dizem nada que me inspire como doutras tantas vezes. Agora, está tocando um fado na voz de Francisco José. Gosto de fado. Fado é sinônimo de destino. O destino que Deus me deu na vida que levei e que vejo não foi ruim, foi boa. Já disse isso muitas vezes, mas vou repetir: deu-me bons pais, infância feliz, educação, um emprego, uma mulher que amo há 67 anos, bons filhos, bons amigos, longa vida. Só me resta dizer: obrigado, Senhor!
Gente, acho que não tenho mais nada a falar. Nem sei se isto é uma crônica. Vou submetê-la à minha filha Simone, como sempre faço, pois acho que tem mais discernimento do que eu para analisar o que escrevo. Só para terminar, quero dizer que dei as estas garatujas o título de AS TARDES, porém caberia melhor intitulá-la: TÉDIO.
Natal, 11/set/2013