Você Conhece Adelaide?
Eram pouco mais de sete horas quando Adelaide acordou, olhou para o despertador com desprezo e saltou da cama em direção ao banheiro, lavou o rosto e olhou-se no espelho, mas, aquela “olhada” não foi à mesma de todas as manhãs...
Adelaide percebeu que seu rosto não era mais o mesmo, suas mãos, seu olhar, seu humor... Dera-se conta em pleno atraso de que as decepções da vida faziam dela uma pessoa vazia, não que não gostasse das pessoas, não tivesse sentimentos, mas faltava algo, um propósito.
Lembrou em flash’s de um tempo feliz, rodeada de amigos e recebendo um amor de forma como nunca mais teria recebido e sorriu, enquanto lágrimas percorriam-lhe a face... Lembrou com intensidade dos carinhos, olhares, gestos, palavras recebidas com paixão do primeiro namorado, das amigas do colégio, dos vizinhos barulhentos, das crianças brincando na rua, dos avós que faleceram, das broncas que recebia dos pais enquanto com eles ainda morava... Saudades... Suspirava agora entre lágrimas...
Sentia pena de si mesma, mas lembrou que aprendera muito, era agora uma Adelaide ainda mais forte e animou-se pegando a toalha e secando o rosto, porém, pensou ela, mais só, mais desconfiada, mais incrédula, e enumerou mentalmente uma lista dos “contras” em segundos. Nada restava agora a não ser vestir-se e literalmente correr para o trabalho.
Redatora de um jornal, Adelaide chegou ás pressas e sentou meio sem jeito na cadeira para não ser surpreendida pelo chefe, olhou para o computador e pelo monitor mais uma vez viu seu rosto, agora, ainda mais cansado depois das “relembranças”. Resolveu então ler o horóscopo: “Deixe aquele alguém se aproximar. Ninguém está livre de erros, nem mesmo os reis. A história comprova. Com as mancadas, as nossas e as alheias, aprendemos, e temos a oportunidade para nos reformular. Seu coração está falando tão alto... Ele precisa gritar?”.
E por pouco não gritou mesmo, impulsiva como poucas que conheço, a redatora sufocou o grito e passou o restante do dia refletindo.
Na volta para casa, compras, dúzias de chocolates, pizzas, refrigerantes... Tudo o que queria agora era algo, qualquer coisa, que preenchesse aquele vazio, que lhe desse o prazer, que, até então, em nada encontrava, nem mais no trabalho, repudiava a TV e achava que pôr filhos “nesse mundo” repetia ela muitas vezes em voz alta, era pecado, coisa de maluco.
Uma, duas, três, quatro horas da madrugada e nada de dormir... “Tenho que mudar essa situação! Preciso achar um propósito”, pensava ela enquanto ouvia no rádio New York New York, sua música preferida e cantarolava nervosa olhando para o relógio, vendo o tempo passar... Lembrou dos dizeres do horóscopo naquela manhã e resolveu que precisava então de uma mudança e iria começar pelo coração, foi ate o computador e imprimiu o trecho do horóscopo, a partir de agora este pedacinho de papel aliado ao ursinho que ganhara de um ex-namorado seriam seus guias nessa viajem de reencontro a felicidade e fazendo planos, pegou no sono.
Desta vez o relógio sequer despertou, quando seus olhos abriram-se por fim, já eram mais de dez horas da manhã e nesta altura nada mais adiantava, a não ser ligar dizendo que havia se sentido mal na noite anterior e aproveitou para começar a “mudança” dizendo que iria até o jornal somente para solicitar as férias que tinha em haver já que durantes anos havia se dedicado somente ao trabalho.
A tarde começou com compras só que desta vez foram roupas, maquiagem, perfumes... Adelaide vez por outra abria a bolsa e via lá o ursinho com o pedacinho de papel engatado na roupinha feita por ela mesma e tomava ainda mais forças para continuar.
Andava nas ruas atenta as pessoas que passavam, foi até a praça, observou os casais de velhinhos que felizes passeavam de mãos dadas, os mendigos que nos bancos dormiam; as crianças abandonadas, os pássaros voando em bando...
As pessoas que passavam na rua, cada uma com seus problemas, com seus propósitos, todas lutando...
Não precisou mais que isso para que descobrisse que a felicidade estava mais perto do que imaginava, descobriu que, o que tinha de diferente era apenas o número do CPF, resultou ela soltando uma longa gargalhada.
Chegara à conclusão de que a vida que vivia era normal e que com o passar do tempo se nos acomodarmos as coisas se vão e para isso precisamos nos adaptar as mudanças que ela faz, todos, sem exceção temos momentos de tristeza, de saudade, mas estes, são os que devemos chamar de passageiros e deixar ir embora e os bons, os sonhos, as realizações, as chegadas são os que devem permanecer no lugar mais precioso do ser humano, o coração.
Adelaide, agora feliz e aberta, não se casou, não tem um namorado “ainda”, não teve filhos, não mudou de endereço, ganhou mais trabalho, foi promovida depois que transcreveu suas lições de vida, inclusive esta história em um livro e orgulha-se, quando acorda pela manhã e vê no espelho a imagem de alguém que ao menos busca a felicidade, seja nas pessoas ou nas pequenas coisas, agradece a Deus cada dia, cada minuto, o papel com o trecho do horóscopo colou na agenda e quanto ao ursinho... Bem o ursinho... Dorme todas as noites do seu lado não com intenção de substituir aquele que se foi ou aquele que virá, mas em respeito ao que ele representou num momento inesquecível de felicidade...
Você conhece Adelaide?
Helena Martins Daniel
VISITE: www.fotolog.net/helenmix
www.helenmix.nafoto.net