Falando de escrever.

Escrever é uma coisa sem sentido,

a gente começar a embaralhar as letras numa desordem maluca,

numa alegoria bizarra, louca e sóbria como nunca de fez antes.

Assim cada palavra, até então fria, entra num rodopio sem trégua,

passa a fumegar-se para todos os lados, em todos os vãos que couber, que merecer, que se permitir atracar.

Assim vamos formando castelos, vértebras, lacunas na alma vão se desfraldando como se rompessem o próprio hímen infinitas vezes, sem sentir dor ou qualquer arrependimento.

Assim vamos descobrindo que, por trás desse amontoado de frases imberbes e atônitas, vigora um sentido que esmigalha a indiferença, nocauteando o que temos de mais moleque, mais estranho, mais desacatado e desatado dentro de nós mesmos.

Como uma fenda que sempre esteve amparando as brechas da nossa alma e que, num instante qualquer, começar a arrematar a si própria numa louca corrida contra o tempo, contra o seu tempo, contra o nosso tempo.

Escrever é ser capaz de esquecer o espelho, a trincheira, a saideira, a cria, a mulher amada, aquela gostosa sensação de dever cumprido que só vem depois do gozo.

Escrever é revelar o direito de virar o próprio Deus, destronando o criador sem dó nem piedade, deportando todos nossos mestres, guias, sentidos e referências para depois do fim do mundo.

Escrever é ter o direito de esquecer que respirar, dormir, amar, aninhar, nutrir, ganhar o pão, perder o pão, dividir a mesa e trancar a porta ao sair são coisas que merecem alguma atenção.

Escrever é ter a capacidade de reconhecer a nossa mísera condição humana e, ao mesmo tempo, nos tornarmos tão imensos, tão completos, tão perfeitos que todos os sinos vão se curvar diante da nossa luz.

Escrever é ser um voraz andarilho de nós mesmos, um toco de madeira na deriva do que temos de mais caro, um chute certeiro na razão, na nossa mais íntima verdade, naquela rasteira que vamos dar e receber todo santo dia.

Escrever, no fundo, é agarrar o sumo mais ateu e devotado do que somos, sem medo de cair de quatro ou errar a porta de entrada, ou de saída.

Para, dessa forma, estrearmos o espetáculo sem platéia, sem cenário, sem diretor, sem bilheteria e sem aplauso que é a nossa vida.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 08/09/2013
Código do texto: T4472234
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