A FOME

Seu Roberto Barreto, homem muito culto, já falecido, me contava um monte de histórias do sertão. Publicou nos anos oitenta um excelente livro intitulado “Caminhos Ásperos”, onde narra sua dura jornada desde o sertão até chegar aqui em Fortaleza. Passou por um monte de presepada.

- Foram tempos ruins, aqueles. – balbuciou com os olhos fechados, querendo não mais se lembrar.

Ajeitou-se na rede, tomou o café quente num gole e encheu mais de café a caneca de ágata branca. Fechou os olhos, como se rebuscasse no baú das memórias, imagens já deixadas para trás, mas ainda vívidas e nunca esquecidas.

- Ninguém aqui sabe o que é fome.

Fez um pequeno silêncio, tomou mais café. Aí começou a estranha história que ele mesmo protagonizou. Contou que quando era menino, tinha o costume de caçar passarinho no meio do mato, como era o costume de quase todos os meninos do sertão. A seca estava braba. A fome estava no meio do mundo. Comer passarinho, naquele tempo, embora difícil de caçar, era quase a única fonte de subsistência do sertanejo.

Avistou no meio do mato uma criança de cócoras. Pensou logo que era coisa de assombração. O que mais impressiona no sertão é o silêncio que se faz de vez em quando. É como se nem vento existisse. Tudo para. A visão daquela criança de cócoras, sozinha, no meio do mato, era no mínimo assustadora. Chegou mais perto para ver o que a criança estava fazendo ali, tão absorta. Aproximou-se sorrateiramente e ficou observando a inocente criatura que estava de cócoras diante de um monte de merda e pacientemente, separava grãos de feijão no meio da bosta, espetava-os com um galho e comia ali mesmo, em um banquete surreal.

A partir daquele dia, seu Roberto compreendeu mais ainda o que era a fome e nunca mais reclamou de nada. A imagem daquela criança faminta nunca mais lhe saiu da cabeça.