Os ursos de Camaragibe
Não vou falar de adultérios. Não neste momento. O que venho fazer agora é tecer algumas linhas sobre os grupos carnavalescos, ora denominados La Ursas ou Ursos, sendo uma forma de expressão cultural muito marcante em nossa cidade.
As crianças já aprendiam desde cedo a participar deste folguedo juntando uns amigos, batendo latas e tonéis de plástico e acompanhando outros moleques com uma roupa de fitas de retalhos e cabeça de papelão ou de papel machê em formato de urso.
No final da década de 80 para início de 90, os ursos ganharam um destaque peculiar. Eram eles: Araquém, de cores marrom e branca, Manhoso, preta e branca, Urso da Paz, azul e branca, Urso Branco, branca e vermelha e Lambe-Lambe, vermelha e branca. Essas cores iam desde as cores dos próprios ursos e dos figurinos dos participantes. Estes integrantes variavam. Quanto à musicalidade, havia a impecável bateria que era composta de grandes e pequenos tambores, denominados surdos. Confeccionados e pintados sob medida, taróis ou caixas e muitos tamborins. No mais, havia a genialidade dos marcadores que se portavam como maestros pulsantes e imponentes.
Esta disputa era muito acirrada e estimulava a criatividade dos grupos que inovavam todo ano. Era comum aos jovens quererem participar de agremiações deste tipo. Havia uma necessidade de estar participando de algum grupo. Eu, particularmente participei de duas, ou melhor, três. Inicialmente do Urso da Paz e depois do Araquém, ambos tocando tamborim, de onde vim a sair depois deste devido a um grito levado injustamente do maestro e dono da troça, Zinho Buchudo. E fui para o Manhoso tocar tarol. Mas, as melhores lembranças que tenho são lá do Araquém. Eram muito divertidos os ensaios com todos os colegas. Os conflitos, o espírito de liderança do próprio Zinho que tinha um discurso motivacional memorável e digno de nota. Não posso esquecer que além de desfilar pelas ruas da cidade todos fantasiados uniformemente e à frente as belas garotas, também fantasiadas, fazendo suas coreografias sensuais e ousadas pra época, divertiam e animavam a população local, muito antes do trio elétrico fazer sucesso por aqui.
Havia um costume de quando estes ursos se “cruzavam” pelas ruas, haver uma competição sonora para saber qual bateria “abafava” a outra. Que tinha toda uma sequência de músicas percussivas ensaiadas intensiva e previamente. Além dos próprios ursos, que os mais elaborados tinham a vestimenta feitas de veludo, ficarem competindo quem dançava melhor. Dizem que em alguns momentos, estes personagens iam mesmo às vias de fato, chegando até a amassar a cabeça de machê do oponente com socos e pontapés em sua dança viril.
Lembro que em algum tempo deste, fui “morcego”. Que era uma personagem vestida toda de preto, com a cabeça coberta com capuz e orelhas pontiagudas, aparecendo apenas os olhos. Vestiam luvas, e um pano que simulava asas ligando os braços ao tronco. Estes eram um espetáculo à parte. Pois tinham uns que faziam acrobacias combinadas, pulavam, davam saltos soltos e deitavam no chão tremendo. Houve também um destes ursos, que se não me engano, o Manhoso, que inovou em determinado ano, colocando uma jaula em cima de um fusca com um urso preso dentro. Além de por luzes nos olhos do bicho para acender de noite.
Os jovens participantes gostavam de viajar para os diversos palcos de apresentações na própria cidade, bem como, nas vizinhas. Além de ser um momento de socializar e trocar experiências, paquerar, viver o espírito de grupo e da coletividade que eram ali aprendidos sem se perceber. Além da autoestima que se elevava após ganhar uma premiação que dava o que falar na cidade. A prefeitura colaborava na montagem, mas estes grupos arranjavam uma maneira de levantar recursos através de bingos, rifas, com o patrocínio e ajuda de amigos.
No final do processo, o bom era a festa. Zinho pedia a sua mãe, a saudosa Dona Lindalva, líder espiritual do bairro para preparar aquele cozido de carne com pirão extremamente delicioso, refrigerante pra gurizada e cerveja pros rapazes maiores. Tudo na maior decência e respeito mútuo.
Hoje em dia, ainda existem ursos, mas não é a mesma coisa. Os jovens, embora que alguns gostem de participar destas agremiações, pois é ainda uma iniciação musical importante, alguns deles simplesmente não curtem. Muitos destes ursos encerraram definitivamente suas atividades. No entanto, recentemente e está virando tradição outros que surgiram. Sendo tais: O urso da Tua Mãe, sediado na rua de frente ao Bradesco e que junta muita gente quando acontece. Sendo mais conhecido pela grande festa realizada. E, outro que surgiu recentemente com um elemento até então inovador em Camaragibe, a sanfona. O Urso do Oião, do sanfoneiro camaragibense bastante conhecido em Pernambuco, Beto Ortiz. Ou ainda o Urso dos Maloqueiros, do qual tive o prazer de tocar com eles em alguns momentos. Estes tocam Maracatus e outros ritmos pernambucanos por onde vai. Além de desfilar pelas ruas do bairro novo, também tocam em intervalos de shows e a convite de amigos.
Quando Camaragibe tiver um museu da imagem e do som para registrar nossa história, ou a própria federação carnavalesca municipal poderia buscar os registros audiovisuais e fonográficos desses folguedos para assim historicizar aquela musicalidade e colorido saudosos, talvez únicos em todo estado. Quem participou e sente saudades daquele tempo, que de vez em quando bate forte, como um rebumbar de um surdo bem tocado.