CRÔNICAS BONAERENSES (145º dia) - Na contramão do trânsito

Li dia desses que Porto Alegre irá adotar a mão inglesa no trecho das imediações da Praça Júlio de Castilhos – no entroncamento da Avenida Independência com a Rua Ramiro Barcelos. Porto Alegre anda, literalmente, na contramão da evolução do trânsito nas maiores cidades do mundo. Enquanto as maiores cidades do planeta tentam diminuir o número de carros e grandes avenidas e detrimento de um melhor transporte alternativo, o Rio Grande do Sul e o Brasil seguem vendendo carros com IPI reduzido e duplicando avenidas.

Aqui em Buenos Aires, o transporte público funciona bem. O subte (tradicional metrô bonaerense) completa 100 anos neste 1º de Dezembro com sua primeira linha, a A, completamente renovada, com trens novos cheirando a quarto de hospital. Mas claro que uma cidade com 3 milhoes de habitantes (número que quase dobra nos dias de semana) segue com problemas no trânsito, mesmo uma cidade planejada, com quadras de 100 metros quadrados e com avenidas grandes a cada 4 quadras, mais ou menos. As artérias do trânsito bonaerense seguem entupidas com coágulos de engarrafamentos. O prefeito da Capital porteña, Mauricio Macri, deixou de lado o orgulho argentino de dizer que em Buenos Aires está a maior avenida do mundo, a 9 de Julio. Ele reduziu o número de pistas e construiu no meio da tão pomposa quanto histórica avenida um corredor de ônibus, igual temos na Terceira Perimetral em Porto Alegre. Além de ônibus, Buenos Aires tem 6 linhas de subte cortando o subsolo da cidade e um sistema de ciclovia que funciona, bem demarcado no chão, separado dos carros por um bloco de cimento contínuo pintado de amarelo, que se ergue cerca de 30 centímetros do chão. Claro que a cidade colabora com as magrelas sendo tão plana e convidativa para uma pedalada. Além disso, há os lugares onde se aluga bici, como já começou a acontecer em Porto Alegre. E a maioria das tele-entregas de bairro se utiliza das bicicletinhas para levar comida. Para terminar, o transporte público, embora não seja muito seguro ou confortável, é extremamente barato, com o valor da passagem de subte em $ 2,50 ARS e o valor do ônibus variando pela distância que tu vais percorrer, mas mais barato ainda que o subte! E os argentinos não são apegados aos carros. Na verdade, quase nunca trocam de carro ou consertam a lataria.

A solução para o emaranhado de veículos nas ruas do mundo foi sempre esta: fazer as pessoas deixarem o carro na garagem de casa e entrarem no transporte público ou no transporte alternativo. Mas no Brasil não. No Brasil não dá! Por quê? Porque brasileiro é apaixonado por carro, como diz a propaganda de um certo posto de gasolina, onde tu deves pedir informações também, segundo a mesma publicidade. Em Porto Alegre, parecia que isto ia mudar. Os gaúchos, sempre na contramão, foram os pioneiros nas manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público. Na verdade, o Bloco de Luta pelo Transporte Público (http://blocodeluta.noblogs.org/) chega a pedir o Passe Livre. Os bicicleteiros revoltados do Massa Crítica, também de Porto, conquistaram algumas coisas, como a ciclovia na Avenida Ipiranga, que parece não ir muito longe e te dá uma fétida visão do arroio Dilúvio. Mas parece que a revolução parou na ideologia e no modismo. Saiu de moda os protestos e o gaúcho voltou a comprar carro com IPI reduzido. Famílias que antes tinham um carro agora têm um carro para cada integrante dessa família, contando o cachorro. Portanto, faz-se necessário o corte de árvores e o desmatamento de áreas verdes para amplias as avenidas. Se tu não queres que cortem as árvores, ao invés de ir lá trepar nelas, vende teu carro, faz com que o resto da tua família deixe o carro em casa e use o transporte público. Daí não precisa perder teu tempo sentado em galhos como um hippie hipócrita. Bando de hipócritas!

Outra coisa que encontraria solução com a adoção de um melhor transporte público é o alto índice de mortes no trânsito gaúcho. É muito carro correndo como se estivesse na estrada e muito pedestre desatento mexendo no IPhone. O resultado é a morte. Há também os que dirigem bêbados e eu sempre fui um que o fazia, quando morava em Porto Alegre. Simplesmente porque não me oferecem opções seguras e baratas de voltar pra casa depois de uma festa ou do happy hour com os amigos. Aqui em Buenos Aires, o pessoal fica até altas horas saracoteando o corpo na festa. Depois, marcham juntos pelas ruas que recebem os primeiros raios do sol da manhã. Entram num café e tomam juntos o café da manhã, até que os trens voltem a funcionar e o pessoal possa voltar pra casa. É demais essa cultura!

Outra coisa que já tarda em mudar aqui na América do Sul é o centro da cidade. Nas grandes cidades europeias, carros não podem circular no Centro. É um perigo. É muita gente, a calçada não da conta e o pessoal acaba dividindo a rua com os carros.

Mas brasileiro não pode caminhar duas quadras e ai de quem encoste no seu amado carrinho. Outro dia em Porto Alegre, um cara espancou outro na frente da mulher e da filha do segundo, apenas por ele ter arranhado a lataria do seu auto com o auto dele. Será que não chegamos ao limite do ser humano?

Agora, o Brasil vendeu a Caloi para o Canadá. Mas as bicis vão seguir sendo produzidas no Brasil. Ou seja, é o efeito da laranjada outra vez. O Brasil vende laranja para o Estados Unidos e compra o suco, mil vezes mais caro pelo valor de importação e os impostos.

E pra terminar, hoje, dia 23 de agosto de 2013, os mesmos gaúchos que na metade do ano bradavam a plenos pulmões pelas ruas de Porto Alegre, pedindo um transporte público mais barato, estão indignados que a gasolina vai ter um aumento de 4%! Eu também sou contra! Quero que a merda da gasolina aumente 200%! Que essa grana seja revertida em melhorias no transporte público, ônibus com pistas próprias para circular e passando de 5 em 5 minutos, com segurança, conforto e ao longo da madrugada. Trens, que sejam por cima, ao nível ou abaixo da terra, não importa! Ciclovias de verdade, com vários pontos de aluguel de bicicletas, não essa piada! Que o lago Rio Guaíba seja devidamente aproveitado para transporte pluvial! E quem quiser encher o tanque, que gaste mil, dois mil reais, para que as pessoas deixem o carro em casa. Para que usar o transporte público não seja motivo de vergonha. Para que as pessoas não sejam mais apaixonados pelo carro e sim pela vida. Pela qualidade de vida.

Tu podes dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único, já dizia John Lennon. Porto Alegre pode pegar o exemplo de Buenos Aires. Ou pode pegar o exemplo da mão inglesa de Londres. Ou pode simplesmente parar de pegar exemplos, pensar no que vai ser necessário no futuro e fazer. Chega de andar na contramão!

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¿Qué pasa, Fábio?

A longa e tortuosa estrada da vida

Semana que vem eu celebro 6 meses de vida em Buenos Aires. Um projeto que começou há 1 ano, mas pelo qual eu já ansiava há 10 anos. Não é verdade que as pessoas precisam de um empurrãozinho para mudar, as pessoas precisam de uma tijolada na cara. Às vezes, mais de uma. Depende da idiossincrasia de cada pessoa.

Eu fico pensando o que mudou nestes seis meses. Como disse na última crônica, as pessoas não mudam. Podem mudar algumas atitudes e velhos hábitos, mas na verdade apenas os estão substituindo por novas atitudes e novos hábitos. E o que mudou na minha vida? Na verdade, vai de detalhes como a pontualidade até coisas maiores como o código postal. Mas é sempre bom fazer um balanço geral de qual rumo estamos tomando e se é este mesmo o rumo que temos que tomar agora. Se não, está na hora de tomar outra tijolada na cara. E não te preocupe, a vida vai tratar de te dar uma.

Eu adoro metáforas. E como um adorador de metáforas, para tentar explicar o que mudou na minha vida, criei, obviamente, uma metáfora. A vida é uma estrada longa e tortuosa. Ela tem vários caminhos, mas tem o mesmo final para todos. E não se iludam, quando a estrada acaba ela acaba mesmo, não existe paraíso, inferno, ficar flutuando por aí ou se refestelando com 72 virgens – até que alguém prove verdadeira alguma dessas teses babacas que as pessoas inventam para tornar a própria morte mais fácil de aceitar. Enfim, a vida é a estrada, longa, tortuosa e com vários caminhos. E nós estamos dirigindo um ônibus. Sozinhos. Talvez essa seja a grande lição que eu aprendi nos últimos 29 anos: nós vivemos sozinhos. Nós somos o motorista do ônibus.

Claro que aceitamos passageiros, posta, boludo! Muita gente sobe no nosso ônibus ao longo dessa jornada. No começo, algumas pessoas nos ensinam a dirigir e até ajudam a empurrar o ônibus quando estamos com pouco combustível. Outras pessoas querem apenas aproveitar a nossa carona sem pagar nem acrescentar um tostão para ajudar na gasolina. Alguns até levam tua gasolina. Mas, ao final, todos descem. Alguns sobem e ficam por muito tempo. Outros escolhem descer. E outros ainda, nós acabamos por deixa-los na metade do caminho, ou por que eles já estavam querendo sentar no banco do motorista ou por que nós fomos idiotas o suficiente ao ponto de acreditar que o ônibus podia rodar bem sem eles. E por aí acabamos deixando para trás alguns importantes mecânicos...

Talvez a gente encontre alguém que vá ficar um bom tempo no banco do carona. Talvez não. Talvez a gente encontre mecânicos que vão fazer a viagem mais longa e tranquila. Talvez não. Talvez a gente reencontre outros motoristas de outros ônibus em alguma lancheria de beira de estrada. Talvez não. Talvez a gente passe de aluno a professor de algum outro motorista, talvez não.

O que eu posso contar da minha viagem até aqui é que, neste momento, ela anda mais tranquila que nos últimos 10 (ou mais) anos. Sabe por quê? Talvez porque eu tenha deixado um pouco de excesso de bagagem para trás, alguns passageiros indesejados pelo caminho ou simplesmente por que eu enveredei pela estrada certa. Não sei. Mas o certo é que eu estou fazendo a revisão dos 30 quilômetros rodados, aliás, anos. E o tanque nunca esteve tão cheio, os pneus tão calibrados para não derrapar e os freios tão cheios de um novo e potente fluído.

O que, infelizmente, não quer dizer que a estrada não vá apresentar curvas, pedregulhos e buracos. Mas que venha! Estou com as duas mãos na direção agora! E a porta sempre vai abrir para quem quiser ajudar na viagem...

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Cerveja artesanal, rock ‘n’ roll e futebol

E nessa viagem levamos algumas coisas no porta-luvas. Descobri que três coisas me bastam. Sempre tenho meus discos para escutá-los a qualquer hora. Às vezes coloco um cd novo no rádio, mas os velhos hits de rock ‘n’ roll ainda são os que embalam as noites frias nesta estrada silenciosa e, muitas vezes, vazia.

A paixão pelo futebol eu levo pendurado por tudo! Mas o mais importante é o que vai no peito. Todo dia de jogo do Internacional eu desligo um pouco o som e deixo na rádio. Não posso perder um jogo do Inter. Infelizmente, às vezes o Inter perde jogos do Inter, o que deixa este motorista um pouco... irritado.

E pra finalizar, uma boa pinta de cerveja artesanal para refrescar. Depois de um largo dia de viagem, nada como parar no primeiro bolicho de beira de estrada e tirar o pó da garganta com uma Ale amarga. Só não dá pra esquecer: quando fores voltar a dirigir, não beba! Às vezes eu ainda esqueço e derrapo um pouco, mas nada grave.

Claro que levo mais coisas na bagagem: fotos dos momentos importantes, o mate, meus livros, etc... mas descobri que com essas três coisas vivo: cerveja artesanal, rock ‘n’ roll e futebol! Por sorte, posso reunir isso na mesma peça em qualquer lugar de Buenos Aires! É o jogo do Inter na tela, a cerveja gelada no copo e o bom e velho rock nas caixas de som! E segue a viagem...

6 fuckin meses!!!

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¡Rapidinhas Porteñas!

+ Aqui temos os famosos contêineres de lixo, como em Porto Alegre. O caminhão passa e despeja tudo que está dentro do contêiner pro caminhão. Depois, passa outro caminhão pra juntar as bolsas de lixo que ficam pelo chão, em frente às casas. Claro que, como em Porto Alegre, várias pessoas passam e rasgam as sacolas em busca de comida e/ou objetos de valor e os restos acabam ficando pelo chão. A diferença é que aqui, durante a madrugada, passa uma ou mais pessoas da prefeitura com o carrinho de lixo, a vassoura e a pá, e junta esse lixo que ficaria na calçada.

- As pessoas dificilmente juntam os dejetos dos cachorros, que costumam andar soltos.

+ Para fazer alguns trâmites do governo sem ficar na fila, tu podes tomar turno pela internet e aparecer no local apenas na hora marcada para ser atendido.

- Os órgãos do governo funcionam muito mal. Tu podes ligar pedindo informação para o mesmo órgão 3 vezes no mesmo dia e receber 3 informações completamente diferentes.

+ Em lugares fechados, é muito difícil sentir frio, mesmo com uma temperatura negativa, pois aqui quase todos os prédios tem calefação – que, diferente do ar-condicionado, por ser a gás, segue aquecendo mesmo com temperaturas abaixo de zero.

- Por outro lado, o vento e a umidade da rua te fazem sentir dor nos ossos do rosto quando está muito gelado do lado de fora.

+ Paul McCartney está muito na moda por aqui. Em qualquer lugar que eu entro está tocando uma música da carreira solo do MaCca. Estilera anos 80!

- Parece que o Independiente, clube mais vezes campeão da Copa Libertadores, não vai sair da série B nesta temporada. Maldição estilo anos de hoje!

Fábio Grehs
Enviado por Fábio Grehs em 27/08/2013
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