O PRIMO ULYSSES - LUIZ CARLOS RIVERA - ( DIVULGANDO OS AMIGOS)
** - O primo Ulysses - **
Não conheci o primo Ulysses, mas lembro dos comentários sussurrados pelos mais velhos sobre o primo misterioso. Talvez achassem que as crianças não devessem saber quem era o sujeito, ou podia ser que se tratasse de algum assunto impróprio, coisas de adultos... Aos poucos, juntando pequenos fragmentos de conversa apanhados aqui e ali, conheci um pouco mais da vida e da história daquele estranho personagem, oriundo da ala paterna do clã. Parece que o primo Ulysses radicou-se lá pelas bandas de Bagé logo depois da Grande Guerra. Dizem que apareceu com uma pequena mala de mão, uma câmera fotográfica barata, esposa e dois filhos pequenos e com “uma mão na frente e outra atrás”. Era fotógrafo e segundo alguns que o conheceram, um ótimo profissional do ramo. Não se sabia de onde veio aquele distante parente e porque escolheu a fronteira para morar. Pode ser que tenha sido atraído pela pujança que a região oferecia naqueles tempos, tempos de muito dinheiro, de fortunas que nasceram da noite para o dia, de grandes fazendas e fazendeiros. Pois o primo Ulysses estabeleceu-se por lá e abriu um estúdio de fotografias 3x4, um pequeno comércio de apenas uma porta, onde também residia com a família de modo precário. Profissional competente e homem que não se assustava com trabalho, não demorou muito á ser requisitado para fotografar grandes eventos por toda a região, expandindo aos poucos o seu negócio e fazendo aos poucos o seu “pé de meia”. Como dizem que dinheiro chama dinheiro, o primo Ulysses tornou-se um próspero profissional e ampliou os seus horizontes. Associou-se ao esnobe Clube do Comércio, filiou-se á Associação comercial, tornou-se maçom e passou a freqüentar as reuniões do Rotary e do Lions. A pequena loja de fotografias foi fechada para dar lugar á um grande magazine, localizado em pleno centro comercial da Rainha da fronteira, pertinho da Prefeitura Municipal e com filiais que se espalharam pelos bairros da progressista Bagé. Enfim, o primo Ulysses tornou-se um empresário de sucesso, passando a relacionar-se com as “pessoas de bem” e a freqüentar a “alta sociedade” da próspera “Rainha da Fronteira”. É claro que o sucesso do primo despertou desconfianças e fofocas sem fim... Alguns despeitados, entre um mate e outro, murmuravam a meia-voz pelas esquinas e cafés da cidade que “alguma coisa de errado tinha por ali”, mas poderia ser apenas a tradicional dor de cotovelo dos rivais do comércio local, invejosos do sucesso daquele sujeito “sem eira nem beira” que tinha aparecido do nada, não pertencia a nenhuma família tradicional e agora andava pela cidade de “nariz empinado”. Diziam até que mantinha amantes escondidas pelos arrabaldes de Bagé, ou que estava envolvido com quadrilhas de contrabandistas! O fato é que o primo prosperou apesar do intenso falatório das comadres e compadres. As lojas estavam com os estoques lotados, as vendas iam bem e tudo corria as mil maravilhas... Um belo dia, o primo Ulysses não apareceu para jantar, mas avisou que chegaria tarde, o que preocupou a família, acostumada a ter o pai e marido em casa no fim do expediente, sujeito regrado que era. As horas se passaram, chegou a manhã e nada do primo aparecer. O homem tinha sumido! A loja e suas filiais estavam fechados e os funcionários não tinham informação nenhuma do paradeiro do chefe. O primo Ulysses tinha cumprido normalmente o seu expediente e fora embora sem dizer nada. Não foi encontrado no Clube Comercial, nos cafés do centro e nem nas casas suspeitas da periferia de Bagé. Não estava nos Hospitais e Delegacias e tampouco na residência dos amigos. Talvez tivesse viajado, ido á Capital para alguma reunião de negócios ou de política, pois andavam falando que poderia até ser indicado para concorrer a vereador ou deputado no futuro, recomendado que fora pelo cacique político da região. O caso é que ninguém descobriu o paradeiro do primo Ulysses. As lojas permaneceram fechadas e assim ficaram até lá pelas onze e meia da manhã, quando o Delegado de Polícia resolveu abri-las para ver se o homem não estava lá dentro. O ilustre comerciante podia estar ferido, ter sido assaltado... O que se viu foi que as lojas estavam vazias! Tudo tinha desaparecido! Um mistério total e completo, que aos poucos foi sendo esclarecido: o primo Ulysses fora visto circulando na noite de Bagé por alguns boêmios e estava no comando de uma suspeita frota de caminhões carregados! Aproveitando o silêncio e a escuridão da fria madrugada fronteiriça, o esperto fotógrafo raspou o estoque das suas lojas e sumiu na direção de Aceguá, acompanhado da amante, deixando para trás o seu negócio, família, amigos e enormes dívidas na praça. O acontecimento causou um grande escândalo na cidade, mas apesar da intensa mobilização da polícia e dos credores indignados, o primo nunca mais foi encontrado. Um outro parente lá de Bagé me contou que o primo tinha mudado de nome e que seria um próspero fazendeiro em algum lugar do centro-oeste brasileiro e com interesses em cassinos clandestinos no Brasil e em outros países da região. Não sei bem ao certo. O que sei é que o sujeito apareceu com outro nome alguns anos mais tarde em uma revista de circulação nacional, onde eram elogiados os seus méritos de empreendedor na área da mega-pecuária e que se deslocava constantemente para as nossas capitais em seu jatinho particular para importantes eventos de negócios e encontros secretos e estratégicos com Ministros e políticos da Ditadura. Como isso tudo aconteceu á muito tempo, parece que os tais delitos prescreveram e o primo nunca foi responsabilizado pelo que aconteceu... Dizem que o primo já faleceu, mas que os negócios da família continuam muito prósperos na região do cerrado, lá pelas bandas do Mato-Grosso ou Tocantins. Em Bagé, parece que o assunto foi esquecido, mas as coisas também ficaram bem por lá. A esposa do primo Ulysses, aquela que foi abandonada, mudou-se para Porto Alegre e segundo contam, casou com um deputado governista... Estes assuntos ainda parecem ser uma espécie de segredo de família e destinados apenas á comentários em voz baixa pelos cantos, até que se tornem apenas lendas familiares e nada mais... Até pode ser que a história não tenha sido bem assim, pois o silêncio familiar continua, quebrado apenas em situações esporádicas e em doses homeopáticas. Uma das tias que o conheceu, ainda outro dia me contou que o primo, depois de longos anos desaparecido, andou por Bagé e finalmente liquidou as suas dívidas... Será?
Luiz Carlos Rivera – Livramento/2006