VAIDADES...
Daiana fechou-se no quarto e apagou as luzes. Não queria mais ver o mundo e menos ainda queria que o mundo a visse. Ela se deitou em sua cama e colocou o travesseiro por sobre a cabeça, escondendo-se de si mesma. Ela havia tido uma crise de fúria. Estava só. Suas duas irmãs, com quase a mesma idade, todas já passaram dos sessenta anos, estavam no grupo da igreja. Sempre iam às quintas, rezavam o terço, cantavam e ao final, confraternizavam-se com o que cada uma levava. Lá havia sorrisos, abraços, felicidade e animação. Elas já haviam convidado a irmã para participar, mas esta sempre se negava. Não gostava muito de reuniões.
Daiana frequentava festas luxuosas. Várias. Estava sempre nas colunas sociais. Não eram pobres as irmãs Almeida. Filhas de um grande fazendeiro, a mais velha era viúva e as outras estavam solteironas. Não se casaram. Daiana namorou bastante, mas não se afeiçoou a ninguém. Estela voltou a morar com as irmãs após a morte do marido e Ana, queria ter sido freira, mas acabou cuidando dos pais. Viviam da herança e do pequeno comércio que tinham. Vivam bem.
Daiana frequentava clubes e ostentava joias de família. Vestidos eram sua paixão. Sempre saía de casa com um deles. Cabelos? Toda sexta feira ela visitava o salão e se arrumava. Maquiagem constante. Cremes e todo tipo de cosmético para manter a pele sempre lisa e jovem. O inevitável, convenhamos.
Uma vizinha chegou a ouvir um barulho de vidro se quebrando, mas não percebeu nenhuma anormalidade nisso. E não havia mesmo.
Daiana quebrou o espelho que ficava ao lado de seu armário. Enorme. Queimou as revistas de moda, jogou fora um sem número de pôsteres. Não via sua imagem mais naquelas mulheres lindas e torneadas das fotos. O espelho era o reflexo daquilo que ela negava ser e era a condenação daquilo que mais a assustava. Os anos passavam rápido demais e ela não havia vivido suficientemente seu tempo em seu tempo. Passava horas preocupada com sua exterioridade e com seu aspecto. Esqueceu-se de viver. Não sorria para evitar desconforto nos músculos do rosto, não ia à praia para não queimar e agredir a pele, nem tampouco dava o ar da graça nas ruas para não se expor demais e não se tornar figura comum, não se alimentava direito daquilo que realmente gostava para evitar ganhar peso. Vivia presa a rótulos e a calorias. Muitos dirão que é neurose. Mas para Daiana era questão de sobrevivência. Em seu mundo muito particular os valores são outros e a vida não passa de uma existência medíocre ao qual tudo é disfarçado, tudo é corrigido por um pó novo no mercado ou um creme que exclui cicatrizes do corpo. No entanto permanecem inúmeras cicatrizes numa alma que não ousou o sonho dos aventureiros nem aos olhos permitiram vislumbrar os mais belos cenários que o planeta nos proporciona. Foi vista várias vezes lavando suas mãos após cumprimentar algumas pessoas por pura conveniência, claro. Não gostava de contatos. Não amou. Não foi amada. Não se aproximou, nem permitiu aproximação. Viveu relacionamentos plastificados, sorrisos inexistentes. Seu rosto brilhava apenas com holofotes em festas fúteis noturnas em que as pessoas engessadas em suas roupas disputáveis de belezas inúteis a qualquer ser humano. Nada mais.
Sua casa sempre estava cheia. Pessoas visitavam suas irmãs, sorriam, tomavam café e conversavam às vezes até altas horas. Dainana muito raramente participava de algo. Ficava fechada em seu quarto escuro e sem vida. Sozinha. Cheia de joias, cheia de roupas finas, sapatos caros e ainda não usados, perfumes diversos... e só.
Seu espelho, antes o principal objeto da casa era agora o seu algoz. As mulheres bonitas, pré fabricadas na verdade, daquelas que aumentam e diminuem contornos com a ajuda de bisturis, silicones e uns leves retoques em programas de computador, estampadas nas revistas eram suas maiores inimigas. Tal como a rainha má da história da Branca de Neve, a insatisfação lhe doía como uma espada. Queria ser como aquelas mulheres, que nem reais são. Queria ser eterna, tal como Peter Pan, mas a realidade é a vida e sua sequência de horas, dias, meses e anos, que nos desgastam a cada minuto. E isso não é ruim, é apenas natural. E como isso é bonito!
Mas não é assim que o mundo anda pensando. Que pena meu Deus. Corpos lindos, trabalhados, suaves, esticados e apresentáveis. “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” diz o livro santo. E por aí vamos vendo futilidades substituindo valores, desfile de inutilidades, sorrisos que não expressam felicidade. Dias tristes e difíceis, de corpos lisos com almas enrugadas.