COLEGA DE TRABALHO – XIV – continuação...

 
                Aqui mais uma vez. Esse é um dia em que estou mergulhado nos conflitos que me consomem sem qualquer intervalo de alívio. Que bom se pudesse ficar sem pensar, não fazer perguntas, apagar a memória, ficar livre e solto como pássaro que descansa num galho após fugir da gaiola; uma joaninha não se interessa pelas cores de suas asas, voa... Gostaria que de ter de volta o voo inocente dos primeiros dias que a vi entrando na seção — capaz de amar e ser amado; ingenuamente voei alto demais e caí descobrindo que minhas asas eram imperfeitas demais para um céu tão azul...
                        Quando cheguei ela estava olhando no monitor. Com a voz mais alta do que o normal, cumprimentei as colegas, mas continuei sendo ignorado. O mundo além da janela e o computador sequestram-na.
O que sinto não mudou nada depois que descobri que sou feio para ela, sem reagir deixo-me ferir pela dureza da palavra “impossível”.
                       Tenho um porte físico atlético, mas um rosto com uma cicatriz profunda significa uma mancha num lençol branco que acabou de ser lavado; terei de ser refeito para ser aceitável.
               Vou seguir o conselho de um amigo: encomendar uma armação melhor e óculos com menos vidros. Não é muito, mas vai me ajudar a ficar menos contrariado comigo.
                      A tarde esvaiu-se como um fiapo de nuvem branca num dia quente. Vou procurar não sair junto.
                         O invólucro lindo parece flutuar a alguns passos a frente; vejo com nitidez que a beleza e a feiúra são os fatos opostos que nos separam. Encosto-me na parede, finjo amarrar o cadarço e todos passam.
                                     Na rua eu e os desconhecidos somos iguais: só mostramos a superfície... (Jorge Lemos)
Silva Lemos
Enviado por Silva Lemos em 12/08/2013
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