TRÊS CORAÇÕES
Viajávamos nos feriados da semana santa, uma ponte me chamou a atenção. Paramos logo imediato, e por sorte tinha lá uns pescadores de mãos trêmulas com peixes a menos e algumas cachaças a mais.
Um deles, o mais extrovertido, talvez até pra aliviar a dor da gota no pé direito, nos deu mais atenção.
Sem rodeios eu quis logo saber:
Porque esse nome de rio tão peculiar?
E ele com a simpatia e quietude dos bons mineiros, me contava, que lá pelos últimos anos da escravidão uma historia de amor aconteceu bem ali onde estávamos.
Um fazendeiro abolicionista tinha uma anomalia curiosa. Ele tinha três corações. Casado com uma dama da corte portuguesa, dona do seu primeiro coração, lhe dera cinco filhos saudáveis e companheiros que ele tinha que deixar vez ou outra, para se empreitar na labuta da extração do ouro, forçando-o a se embrenhar nas matas.
Dessas viagens, dessa convivência rotineira, conheceu e se apaixonou pela esposa do seu falecido capataz. Ela se tornou então a dona do seu segundo coração. Não tiveram filhos.
Ela já os tinha com o falecido. A vida rolou por quilos e quilos de ouro, por chuvas e chuvas. Por estações de seca.
A juventude e doçura da filha mais velha do capataz, moça de gestos delicados, olhos alegres, lábios brilhantes, enfeitando as sardas do seu rosto caipira, era uma luz na alma daquele velho fazendeiro.
A paixão veio mais forte. Ela se apoderou então do seu terceiro coração. Era um único homem com três corações apaixonados.
A sisudez e o respeito da época exigia silêncio.
Aquele sentimento que ela lhe devotava, e o conseqüente fogo daquela paixão, lhe tirava a alegria de viver.
Era uma mistura de desejo e medo que ele não conseguia coordenar.
Ela por sua vez, surpresa com o seu envolvimento espontâneo que surgira no nada, também em silencio, sentia um amargor na garganta.
Um sufoco no peito. Um desejo de falar.
Aqueles olhos brilhantes, ora se confundia com os reflexos da luz, ora com os reflexos das lagrimas.
Ela carregava na alma uma dor e um medo, que lhe tirava o sono.
Queria aquele velho ombro para chorar.
Queria aquele peito cansado para recostar a cabeça e desabafar seus segredos.
Nenhum ousava confessar.
O fazendeiro sem reação e esperança, voltava para casa.
Nas algibeiras riquezas. Na comitiva tesouros.
No peito um vazio da ausência dos seus três amores.
Dizia o pescador, que ao chegar a barranca do rio, dispensou seus fieis escravos que lhe acompanhava. Lhes deu ali, alforria e liberdade para viverem livres.
Caminhou alguns passos, dobrou-se à realidade e assumiu ser um escravo branco. Deixou-se ser engolido pelas correntezas daquele Rio das Mortes. Morria ali com ele, os três corações.
Anos depois nascia mais abaixo a cidade de Três Corações.
Morreu o fazendeiro. Morreu o escravo do amor. Nasceu a história.