CHICRETES COM BATATAS "SARGADAS"

E lá estava eu, em pleno acostamento da rodovia, sob o escaldante sol do meio dia...

Avistei-o ao longe,fiz-lhe um sinal e embarquei no coletivo.

-Ô dona, a passagem!

Uma urgência familiar me transportara para lá, uma pequena cidadezinha do interior de São Paulo, em meio ao feriado prolongado.

Eu, embora acostumada a dirigir em rodovias, desta vez fiz diferente.Peguei carona de ida, já intencionando retornar de ônibus o mais rápido possível no meio do feriado, por motivos de trabalho.Estava iludida e vislumbrando a possibilidade de retornar traquilamente,sem dirigir, observando a paisagem e cochilando um pouquinho. Afinal,uma oportunidade de descanso, conclui.

Mas as passagens de volta, das empresas mais renomadas, estavam esgotadas.Talvez a via aérea fosse a única solução, apesar da confusão recente com o controle do tráfego aéreo, o que não me encorajava muito a decidir...

Mas um parente, na melhor das boas intenções, logo resolveu o problema.Levou-me para adquirir uma passagem de volta num local que até lembrava um terminal rodoviário, e cuja negociação foi feita através dum "orelhão telefônico", com uma central à distância, contrastando com a modernidade do século vinte e um.

-E a senhora nem vai precisar se deslocar para o centro vizinho para embarcar.O ônibus a pegará logo alí, na estrada...

Estranhei, pois no bilhete apenas constava o registro do número da poltrona...onze.Tratei de retê-lo na memória.

-Moço, o sr me desculpa, não estou acostumada...está aqui a passagem e o meu R.G.-disse eu ao motorista.

Fui até a poltrona onze, que já estava ocupada, acomodei -me noutra qualquer e então, segui no meu martírio.

Percebi que o tal ônibus vinha de muito longe, trazia histórias diversas, pois em poucos minutos me interei da vida de toda a coletividade.Não que eu quisesse óbviamente, mas me era impossível sossegar meus ouvidos.

Esforcei-me para relaxar um pouco, mas um garotinho com dons matemáticos, resolveu treinar a tabuada.

-Moça..Vruummm! Olha um caminhão...Vruummm! E mais outro! Bruummm, Bruummm! Duas vezes dois caminhão, dá quatro caminhão, não é,moça?...vrummm, vruuum! Vezes dois, oito caminhão...

E chacoalhava minha poltrona toda vez que fazia uma continha!

Primeira parada na estrada e vinte minutos após, o piquenique se instalou alí...e que fartura...tinha de tudo!

-Tá servida, ô dona?

-Não, obrigada.

-Ah, só um batatinha sargada, qué?

-Obrigada, acabei de almoçar.

-Amigo, quer um chicretes gritou alguém lá de trás.

-Chicretes com batata? Mas tá muito sargada!-respondeu o menino.

-Ô Vó, come a batata não! O menino falô que tá sargada, cê vai ficar sargada demais, ô vó!

E alguém lá na frente:

Seu Antonho, vem cá , vagou lugar e tem até janelinha!

E depois de meia hora seu Antonho chegou, apoiado na sua bengalinha, um simpático senhor, mas de aparência um tanto sofrida.

Sentou-se pareado a mim e vez o outra me assustava com seus sucessivos roncos, interrompidos com segundos de apnéia.

E se ele morresse alí?

Não,tratei de vigiá-lo, pois não saíria de lá sem meu quinhão de colaboração.Mesmo que fosse aos meus interesses!

Não acreditava.O ônibus parava na estrada a cada meia hora e quase todos desciam para resgatar as bagagens.

No destino do "sr. Antonho", não foi diferente, e até o motorista desceu para ajudá-lo.

-Chegamos "seu" Antonio-disse ele gentilmente.

-Ô Pai, arregaça as carças pai, tá escapando tudo!

E o ônibus em coro:

-Olha o degrau, cuidado seu Antonho!

-Gente calma, ele é idoso, tenham paciência!-falou uma voz um tanto quanto compreensiva, acalmando os ânimos dos mais irritados...

E então proseguimos a enveredar por várias cidades.

Conheci o interior inteiro, acredito eu.Era o que me consolava...

Lá pelas tantas, o motorista anunciou que o ar condicionado havia pifado, ao que dei graças a Deus, pois aquele odor de manteiga rançosa de pipoca, enfim, cessara de circular, dando trégua ao meu estômago.

Sete horas de viagem, num trajeto que normalmente faço em quatro. E sem direito nenhum às paisagens! Nem mesmo a meio cochilo!!

Apenas à intrigante combinação de chicletes com batatas...mas batatas bem "sargadas"...