AS MÃOS DE MINHA MÃE

Preliminarmente, esclareço que dei o titulo a esta crônica “As Mãos de Minha Mãe”, porque é com as mãos que as mães agasalham; as mãos que acariciam, as mãos que abençoam, as mãos que se despedem, enfim, são as mãos que traduzem Amor. Em 16 de janeiro de 2012, quando escrevi a crônica “As Mãos do Meu Pai”, prometi a mim mesmo que, oportunamente, expressaria à minha Mãe, também em crônica, todo o meu amor filial e o meu imenso agradecimento por tudo o que fez por mim, desde o dia da concepção, cuidando de mim no seu ventre por nove meses, alimentando-me com o seu sangue e com o seu amor, até que, numa tarde de setembro do ano de 1924, eu nascesse para os seus braços e para o mundo. Daí em diante passou a levar-me, constantemente, ao seu seio para nutrir-me com o seu leite. Com que sofreguidão eu os procurava. Parece que já tinha consciência, logo nos primeiros dias e nos primeiros meses: se qualquer pessoa me levasse aos braços, mesmo a “tratadeira”, como era costume naquele tempo, ou outra qualquer, eu sabia diferençar o cheiro reconfortante do seu corpo. Como você sabe disso? Algo instintivo me diz que foi assim.

Aí pelos sete ou oito meses eu começava a engatinhar pelo chão, que ainda alcancei de tijolos quadrados e limpos: mesmo assim eu sujava o bumbum. Mas quando completei o primeiro ano e comecei a ensaiar os primeiros passos, sem firmeza, informaram-me que meu pai – de quem recebera o mesmo nome, Francisco – mandou fazer um “andajar”. E os dias, os meses e os anos foram vindo e passando e eu fui crescendo, franzino mas sadio e andador. Quando cuidei já estava completando os cinco anos e ela me comprou uma Carta de ABC e uma Tabuada e começou a desasnar-me, como já fizera com o meu irmão José. E parece que até não dei trabalho. Então, pediu a meu pai que comprasse um caderno de papel almaço pautado (5 folhas), um lápis e uma borracha: sua mão tomava a minha para ir ensinando no papel o caminho da escrita. Devido ao seu empenho e à consciência de que, na vida, só se vence pela educação, tomava-me a lição todos os dias, exceto aos domingos, dia de ir à missa.

Aos seis anos – disso tenho perfeita lembrança – comecei a ler (já falei nisso antes) um livrinho que havia lá em casa, provavelmente “herança” de José, livrinho que se chamava “Leituras Potiguares”. Em seguida, passei a ler os apólogos, dos quais passei para um livro – recordo bem – com capa tamanho ofício, um livro de mitologia que me empolgou, impressionando-me as ilustrações. Eram as aventuras de Teseu, Perseu, Jasão e outros tantos.

Quando fui para a escola primária de Dona Candinha, a uns cinquenta metros de distância, já sabia ler e calcular bem melhor do que os meus companheiros, de modo que, aos sábados, nas sabatinas, com palmatória e tudo, a professora formava uma roda e ia fazendo as perguntas. Quase sempre eu era o único a responder, o que agradeço à minha mãe.

Em 1932, matriculei-me, para o curso primário, no Grupo Escolar 30 de Setembro. Finalizando o curso em dezembro de 1937, fiz exames de admissão para o Ginásio Diocesano Santa Luzia. Daí por diante – 1938 - passei a ter o acompanhamento e o estímulo de três pessoas: os cuidados de minha mãe com a minha saúde; a preocupação com que, como os demais alunos, eu tivesse todo o material e as fardas do Ginásio: a caqui, para a diária, a branca, com botões dourados e quepe para as datas solenes; e também do meu irmão , que já era professor e se encarregava de tudo isso.

Minha mãe se preocupava não só com a minha instrução e das minhas irmãs, como com nossa formação religiosa. Todas as noites, nos reunia ao seu redor e nos ensinava a rezar, pedindo as bênçãos de Deus e de Nossa Senhora, mais dos nossos Anjos da Guarda. “Com Deus me deito, com Deus me levanto...” Acostumou-nos a, toda vez que saía de casa, mesmo o filho mais velho, a dizer que “já ia”, para que ela dissesse: “Vá com Deus e a Virgem Maria”. E tanto me acostumei a fazê-lo (e já disse isso noutro texto) que, mesmo casado e morando quase vizinho, tinha que passar lá para avisar que “já ia” e ouvi-la dizer que eu fosse “com Deus e a Virgem Maria”, o que me confortava e me dava segurança.

Minha mãe, pelo seu grande coração, era uma pessoa querida. Tinha muitas amigas, principalmente as mulheres humildes que iam sempre à nossa casa. Era o nosso anjo da guarda! Quanto lhe devo em carinho. Lembro que quando eu tinha “sonhos ruins” e acordava apavorado, descia da rede, punha o lençol debaixo do braço e a chamava baixinho: “mamãe, me deixe dormir com a senhora, eu tive um sonho ruim!” e ela me dava um lugar, eu me aconchegava a ela e dormia tranquilo.

Depois de trinta anos trabalhando no Banco do Brasil, já tendo ocupado a gerência por sete anos e meio, recebi, em agosto de 1973, a informação de que havia sido transferido para Caruaru. Eu fazia, então, o último ano do curso de Economia e minha mãe vivia os seus últimos dias. Simultaneamente, o Banco já nomeara o meu substituto, o deste e o outro. Tive que entrar em contato com todos eles para que os seus desligamentos fossem adiados para dezembro, o que me daria tempo de terminar a faculdade e ficar mais tempo a seu lado. Todos concordaram, com referendo da Direção Geral.

Minha mãe faleceu numa tarde de 3 de outubro do mesmo ano. Na cama, parecia estar dormindo, acompanhada pela família e pelo médico nosso amigo. Só esse médico percebeu que expirara, aos 83 anos, quando lhe auscultava o coração. Deus lhe chamara para juntar-se a papai e às suas irmãs que, desde que casara, na povoação de São José, município de Sobral-CE, nunca mais as vira, mas sempre as recordava entoando, com muita saudade, modinhas do seu tempo. Hoje, completando 40 anos em que se foi e em que eu já estou prestes a completar os 89, presto-lhe esta homenagem filial e lhe peço que continue nos abençoando.

Natal, 18.julho.2013

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 27/07/2013
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