O TEMPO E O VENTO

Quem porventura já leu meus textos, deve ter observado que o Tempo e o Vento são temas freqüentes no que escrevo. No site www.recantodasletras.com.br já publiquei cinco crônicas com os seguintes títulos: “Nós, o Tempo, Deus e Os Milagres”, “A Velocidade do Tempo”, “O Tempo Deus e Eu”, “O Tempo, Demolidor de Ilusões” e “Como o Tempo Passa”. E agora volto a tratar do Tempo. De como ele é misterioso. Talvez contenha esta crônica alguma coisa já falada. Não me lembro, mas se o fiz estou repetindo aqui, rogando ao leitor que releve, me desculpe.

“O Tempo e o Vento” é o título do excelente romance, em três volumes, do grande escritor gaúcho Érico Veríssimo. O Tempo foi objeto de elucubrações dos filósofos Pitágoras, Aristóteles, Platão e muitos outros que o estudaram e deram suas definições sobre ele. O Vento, por si só, está na literatura e no cinema, em “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë. Há uma interessante poesia do poeta português Afonso Lopes Vieira (1878/1946), intitulado “Dança do Vento”. A certa altura ele diz: “O Vento é bom bailador/Baila, baila e assovia./Baila, baila e rodopia/E tudo baila em redor,/E diz às altas ramadas:/Bailai comigo, bailai!”. Já se vê como o Tempo é tema estudado pelos filósofos e o Vento está frequentemente na literatura. Já disse certa vez que, no meu entender, o Tempo é um instrumento de Deus. Também o Vento o é. Em Gênesis 8, 1, quando fez cair o diluvio: “Deus lembrou-se então de Noé e de todas as feras e de todos os animais domésticos que estavam com ele na arca. Deus fez soprar um vento sobre a terra e as águas baixaram.” Também no Novo Testamento há várias referências ao Vento.

Como passa o Tempo, rápido e despercebido! Já observou o amigo que porventura me lê, como, nas provas de atletismo e nas corridas da Fórmula Um, os cronômetros marcam os centésimos, e, se me não engano, até os milésimos de segundo; de segundo, que é a sexagésima parte de um minuto que, por sua vez, é a sexagésima parte de uma hora e que são necessárias vinte e quatro horas para completar um dia, a trigésima parte de um mês, sendo que, de janeiro a dezembro, de doze meses se compõe cada ano?

O Tempo, de tão significativa importância em nossa vida, vai passando sub-repticiamente. As horas e os dias vão se sucedendo e a gente, quase sem perceber, de repente passa da infância à adolescência, desta à maioridade, à vida adulta, alcançando, assim, o prêmio da MATURIDADE, da sensatez nas suas decisões. Quem era solteiro, logo, frequentemente, se vê casado e pai de família. Com mais alguns anos tona-se avô e sente que a velhice chegou. Ontem eu era jovem estudante e hoje, octogenário e bisavô, sentindo o peso e as marcas expostas da velhice e da solidão. Mas é feliz quem chega, mesmo cansado, ao topo, ao planalto da montanha, de onde descortina, com saudade, todas as etapas do passado, às vezes com tanta emoção que as lágrimas, vertidas no coração, afluem aos olhos já opacos, frias e docemente salgadas, que secam na face castigada por todas as estações, sem deixar marcas.

O Vento, já disse isso algumas vezes, tenho-o como amigo. Noutras crônicas já falei nele. Como costuma entrar pela minha janela trazendo-me mensagens dos lugares por onde passou, das diversas etapas que já vivi, notícias de amigos queridos que se perderam na longa estrada, de paixões que dominaram meu coração na adolescência ou em qualquer fase da minha vida, pois esse sentimento avassalador pode se apoderar de qualquer pessoa, em qualquer época. Como sinto saudade das tardes quentes de Mossoró, quando o vento Nordeste, vindo de longe, sobrevoando os mares, salgando-se nas salinas, agitando as palhas das carnaubeiras, levantando o pó das várzeas e despejando-o sobre as ruas e telhados do casario da minha cidade, naquele bom tempo em que era ainda pequena e bucólica, em que os altos edifícios ainda não a haviam transformado numa metrópole, a desmedida quantidade de automóveis e motos não havia tornado tormentoso o seu trânsito, em que seus bairros eram alegres e tranquilos, não havia drogas nem violência. Costumava chegar por volta das quinze horas, amenizando o calor de suas tardes, às vezes prolongando-se pela noite.

Aqui, em Natal, ele também costuma chegar à tarde. Já falei como às vezes entrava pela minha janela entreaberta. Houve tardes em que ele vinha manso, afagava o meu rosto e me deixava suas mensagens, mas houve ocasiões em que, não sei por que, chegava brabo, entrava com força, revolvia papeis e não me dizia nada, conforme acho que já disse em textos anteriores. Mas, de alguns anos para cá, parece que o Tempo lhe falou sobre o meu estado, sobre a minha idade avançada, sobre a minha saúde. Agora ele vem manso, quase uma brisa, entra de mansinho e quase não fala. Então eu lhe pergunto por que vem tão calado, não me falando nada, não me trazendo nenhuma mensagem. Quem entra no meu escritório e me vê falando assim, sozinho, se assusta, pensa que estou ficando louco ou caduco. Mas, eu não ligo. Prossigo o meu diálogo com o Vento manso. Ouço o que me diz. Não o vejo – porque o Vento a gente sente na pele, mas não vê - mas sinto que ele está triste porque as notícias não são boas. Fala de como tudo mudou na cidade que foi meu paraíso, dos amigos que se foram, notícias que ouço com tristeza.

Às vezes sinto até, como Neruda (em “Crepúsculo”), “O vento, o vento que me penteia/como se fosse mão materna”.

Finalmente, peço ao leitor que porventura lê o que escrevo que releve as repetições a que recorro nesta crônica, considerando que por vezes falha – sinto isso - a minha capacidade de criação de uma nova linguagem.