MOVIMENTAÇÕES VERSUS COPA

Chego do trabalho e minha filha, ainda em tenra idade, pergunta-me se o Brasil ganhou a Copa. A copa a qual ela se refere é a que o Brasil se sagrou campeão recentemente, a Copa das Confederações. E para não tirar o seu ânimo, uma vez que ela comemorava junto a minha sobrinha, mais novinha ainda, digo que sim; o Brasil ganhou sim.

Depois passo a explicar a confusão que é tudo isto, uma vez que continuamos os mesmos processos envelhecidos outrora, uns ganhando muito à custa de outros que pouco ou nada ganham.

Muito dinheiro foi gasto para que o espetáculo futebolístico fosse garantido. O espetáculo não pode parar! Podem fenecer as nossas velhas bandeiras de lutas, garantidoras daquilo que é nosso direito? O texto da nossa Carta Magna nos garante direitos aos quais, muitas vezes, abrimos mão. Seja por falta de vontade de travarmos a boa batalha e o bom debate, seja por inércia de alguns ou ainda por acharmos que é assim mesmo que a banda toca e nada vai mudar.

O povo está na praça como esteve outrora em momentos efervescentes da vida nacional. Está em polvorosa a cobrar aquilo que lhe tem, secularmente, sido negado sem as devidas escusas da classe política.

Há certo ar de epidemia de manifestações nas ruas quase diariamente. Foram 353 municípios em todas as partes do País, segundo levantamento promovido pelo O Estado, jornal de São Paulo, em eventos constantes do Facebook ou jornais mais regionais. Noutro levantamento, diz a Confederação Nacional dos Municípios – CNM – em pesquisa realizada junto às prefeituras, que se identificaram protestos em 438 cidades.

E qual a pauta para tantos movimentos e mobilizações sociais só promovidas em tempos já distantes de nós? As reivindicações são nossas velhas conhecidas e um alerta é dado. Tem que haver uma política voltada para as classes menos favorecidas, principalmente.

É necessário repensar a forma como se conduz a política de saúde, alavancada pelo Sistema Único de Saúde – SUS. O Governo Federal fala na contratação de novos médicos, de preferência estrangeiros oriundos de Portugal e outros da ilha de Cuba. Nada contra tal medida desde que os nossos médicos tenham todo o aparato necessário para o atendimento às populações pobres das localidades mais remotas, na rede SUS estas que formam a maior parte de usuários.

É preciso priorizar investimentos na Atenção Básica até mesmo como fator de prevenção para que sejam reduzidos os casos de adoecimento de nossas populações. Os outros dois níveis - média complexidade e alta complexidade - devem ter também a devida atenção dos governos nas três esferas administrativas.

Que não fique só para a União pensar este investimento, mas também aos Estados e municípios. Destaquem-se aqui duas preocupações de grande monta que são: saúde da mulher e atendimento pediátrico às crianças. No primeiro caso as mulheres carecem de maior atenção. Há um índice alto de câncer de mama sem que tenhamos nos rincões, mamógrafos disponíveis à feitura de exames que identifiquem logo a doença e a devida profilaxia.

Nossas crianças padecem o esquecimento dos gestores municipais, uma vez que cidades inteiras e hospitais referenciais nas regiões de saúde não têm médico pediatra. Esta especialidade está em franca diminuição nas unidades de saúde em qualquer parte do Brasil, principalmente nas regiões menos ricas, a exemplo do Nordeste ou no Norte, região dos amazônidas, que muitas vezes conhecem mais o médico militar, pois é este que vai aonde os outros não vão.

Nossa educação capenga com a reprodução de velhos sistemas carcomidos pelo tempo da velha classe política da concepção bancária de ensino, conforme alertava Paulo Freire. Velhos clichês são usados nos municípios para ‘capacitar’ professores desmotivados que fingem que ensinam e alunos que simulam que aprendem. Docentes que têm mais de uma ocupação enquanto complemento da renda familiar para não morrerem de fome.

E quantas escolas estão equipadas para o pronto ensino à nossa juventude? Não chega a um por cento o total de unidades educacionais no Brasil que estão devidamente aptas para darem a formação necessária ao alunato.

Hoje só 0,6% das escolas do País têm biblioteca, quadra, laboratórios e acessibilidade para bem desenvolverem aquilo que se pode chamar de uma educação melhor qualificada, segundo levantamento feito pela Meritt, entidade de pesquisa na área de educação. Acrescente-se ainda, salários indecentes pagos aos professores, e maior participação nos processos permanentes de formação.

A condição de segurança pública tem sido outro problema grave. A legislação é benevolente com criminosos e existe um sistema prisional falido que se configura em verdadeiras escolas do crime organizado. Isto piora quando menores são usados de forma multifacetada pelos criminosos de plantão ante o imobilismo do Estado para resolver tal questão.

Com a vitória do Brasil na Copa das Confederações sobe o conceito do País do futebol no ranking da poderosíssima Federação Internacional de Futebol Associado – FIFA. Esta entidade tem emitido ordens por aqui e falado grosso ao ponto de seu secretário geral, Jérôme Valcke, dizer que o Brasil precisaria de um chute no traseiro.

O povo está nas ruas do Brasil como já o fez noutras grandes ocasiões, a exemplo de manifestações contra a Ditadura Militar, Campanha das Diretas-Já em 1984 e o impedimento do ex-presidente Collor em inícios da década de 1990. Como na Praça Tahrir, no Egito dos Faraós, aqui o povo exige ser ouvido e dizer que não é contra a Copa do Mundo desde que tenha garantidos os seus direitos por saúde e educação, principalmente. E que não haja por aqui o mesmo prejuízo que teve a África do Sul quando de sua Copa ou obras sendo superfaturadas enchendo o bolso de empreiteiros corruptos ligados a políticos ludibriadores.

A população descobriu que não precisa de líderes para dizer o que quer ou o que pensa. E neste ponto os governos federal, estaduais e municipais esqueceram de que o poder que lhes foi dado emana justamente desse povo que agora brada em grito retumbante que faz tirar o sono da classe desses mandatários.

A senha foi uma tarifa de R$ 3,50 para desencadear todo um movimento de contestação ao que está posto de forma secular e quase inconteste. A democracia pressupõe governar com o povo e não, simplesmente, para ele. Democracia é o governo da polis que já apregoavam os antigos gregos.

Queremos uma democracia que não seja apenas de forma delegatória. Que se invista na construção de novos estádios/arenas para que se incentive a prática desportiva, mas buscamos uma democracia participativa onde todos possam ser ouvidos sem que digam que isso é utopia, o fato da participação popular nas grandes decisões naquilo que já falava Thomas Morus no distante Século XV. Que dê condições de se ter melhores hospitais, escolas boas em todos os seus níveis, como preconizou, um dia Anísio Teixeira, a partir do movimento Escola Nova.

O sentimento patriota se expande por todas as classes sociais num verdadeiro propósito de comunhão. Paulo Freire diz em sua Pedagogia do Oprimido que ninguém se liberta sozinho.

Há um flagrante desencontro entre a cidadania e aqueles que governam. Cidadãos e cidadãs querem mudar isto, observando-se os gastos com a Copa e ausente a classe política em suas manifestações; ainda que a concebam muito importante no processo.

É fundamental a participação no resgate da cidadania olhando para o que alertava São Gregório de Nissa, quando falava de que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem? Avante!

José Luciano
Enviado por José Luciano em 07/07/2013
Reeditado em 15/07/2013
Código do texto: T4376732
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.