CRÔNICAS BONAERENSES (93º dia) - Tenho medo de androides

Antes eu fazia assim: chegava a um restaurante, café ou pub, dava uma lida rápida na carta, pedia a comida. Quando esta chegava, degustava soberbamente da mesma quentinha e apetitosa. Agora, tudo mudou.

Chego ao restaurante, café ou pub e pergunto a senha do wi-fi. Assim, me conecto ao fecebook e faço check-in do lugar onde estou no foursquare. Dou uma lida demorada na carta, enquanto falo com meus amigos através do whatsapp. Peço a comida. Fico chateando pelo messenger do facebook, confiro dicas do lugar no foursquare e sigo conversando por whatsapp. A comida aterrissa na mesa, fumegante, saborosa ao olhar. Eu tiro uma, duas, três, vinte fotos... mando a foto através de mensagem pra alguém, posto a foto no facebook, aguardo os comentários, sigo conversando pelo whatsapp. Depois de tudo isto, aí sim, saboreio uma comida fria e insípida.

Tudo começou quando eu comprei meu chipe de celular da Personal aqui em Buenos Aires. Comprei numa banquinha de rua de um chinês que vendia celulares, dvd’s, cd’s, cabos, adaptadores, carregadores e, entre outras coisas, chipes de celular! Gostei do número, testei... tudo ótimo! Cinco dias depois, meu celular simplesmente apagou e não ligou mais.

Longe de mim querer incriminar o pobre vendedor de rua. Levei o celular numa lojinha pequena que tinha um luminoso piscante escrito simplesmente “celulares”. Era igual à banca de rua do chinês, só que não era uma banca, era uma lojinha. Mas o dono era igualmente chinês, coisa comum em Buenos Aires. Eu pedi um celular barato, que somente mandasse mensagem e fizesse chamadas, mas que tivesse whatsapp. Eu não sabia o que era whatsapp, mas a minha amiga Andressa vivia me falando da necessidade latente de ter o tal de whatsapp (que se diz assim: uátisap). Ela vivia repetindo “Fábio, tu precisa ter whatsapp aqui, tu vai gastar menos, vai economizar muito, precisa do whatsapp”. Cheguei a suspeitar que ela trabalhava para a empresa do whatsapp. Bom, o celular com whatsapp era um pouco mais caro, mas nada muito longe de 100 reais. Pois bem, disse ao “chino” que amanhã voltava com a grana.

Qual não foi minha surpresa que, no outro dia, o celular este já havia sido vendido. O que ele tinha para me oferece agora – sabendo da minha latente necessidade pelo maldito whatsapp – era um androide. Eu não queria um robô, eu queria um celular. Mas comprei o maldito androide por quase três vezes mais que o outro celular.

Fui adicionando aplicativos, conversando por whatsapp, tirando fotos de tudo que via, até que me tornei aquilo que eu mais odiava. Um destes tipos que pretere o celular ao mundo a sua volta. Até perdi um gol da Argentina um dia porque estava mexendo no celular, batendo papo por whatsapp.

Ao menos tem sido uma boa companhia para quando saio sozinho. Sento, peço um chope e fico conversando com meus amigos por facebook, whatsapp, mensagem... estejam em qualquer lugar do mundo, não estou sozinho naquele bar. Pode parecer que sim,mas não estou. Tenho o tal whatsapp.

Mas uma coisa jamais farei: estar com o celular na mão quando estou com alguém. Deixo no bolso. Nada neste mundo vai substituir um olhar, um sorriso, uma conversa sobre futebol, política, manifestações, etc.. ao redor de uma mesa repleta de chopes, salames, queijos e presuntos ao som de muitas risadas ao vivo. Nada. Nem o maldito whatsapp...

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¿Qué pasa, Fábio?

Já começava a abrumar em Buenos Aires. Eu vinha plácido e tranquilo caminhando por uma rua desconhecida após ter ido à casa do dono da casa onde eu moro, para efeito de pagamento de aluguel. Não sei bem por onde eu andava, acho que era Palermo Soho. Ou seria Palermo Viejo? Bem, não importa. Eu perguntei numa banca de revistas como poderia fazer para tomar o subte D. O senhor que ali estava, sem tirar os olhos do jornal, me apontou a direção. Por isso eu ia plácido e tranquilo caminhando por uma rua desconhecida, até chegar à avenida onde encontraria a entrada do subte. Como eram 18 horas e, todos sabem das vicissitudes de encarar um transporte público às 18 horas, resolvi entrar num Starbucks, pedir um café com dulce de leche e esperar alguns minutos, horas talvez.

Neste momento que eu me dei conta: provavelmente devo estar passando pela melhor fase da minha vida, até agora. Cheguei a sentir a inveja percorrendo estradas e chegando desde Porto Alegre. É que tudo se encontra como eu gostaria, como eu planejei para este ano. Moro na cidade que eu queria. Trabalho no ramo que eu buscava. Tenho uma situação amorosa definida. Tenho um entorno de amigos verdadeiros e com atitudes saudáveis, mesmo que alguns estejam longe 1.310 quilômetros. Eu mesmo me encontro numa época saudável, já livre de vícios como paroxetina, ociosidade, entre outros. Sim. Eu estou mais feliz que nunca.

Foi então que eu estremeci de medo. Perceber que as coisas todas, em todos os âmbitos da tua vida, andam bem, é um laivo de que apenas coisas ruins estão por vir. Se as coisas estão como eu queria que estivessem, significa que não podem melhorar, mas com certeza vão piorar. Eu mesmo, aqui nestas crônicas bonaerenses, já vaticinei que o segredo da vida é a moderação. A própria vida é moderação. Tu vais tergiversando por caminhos de tristeza e dor buscando lapsos de felicidade. “E assim vais vivendo, e assim andando aí, e assim perdendo em ti tudo aquilo que nunca foste” como canta a banda Toranja na bela canção Adormecido.

Num estrépito, larguei o copo do Starbucks na mesa e disse “fuá!!”. “Fuá” é algo que os bonaerenses dizem. É tipo um “putz” mas, para mim, são os argentinos tentando dizer “fuck” e desistindo no meio. Dito isto, levantei, deixei de pensar nas agruras que estão por vir no futuro e passei a pensar no presente. E o presente era ter que chegar em casa. Bati em retirada, entrei no subte –não tão lotado – e tomei o caminho de casa. Linha D, conexão com a C, chego em casa, tomo um bom banho, começo a me arrumar para ir pro trabalho e, enquanto lustrava os sapatos, percebo que provavelmente devo estar passando pela melhor fase da minha vida, até agora. E por enquanto.

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Notaram que eu parei de falar sobre política, manifestações, vandalismo, força descabida da Brigada Militar, Copa do Mundo, etc...? Não é que eu resolvi ser piedoso com vocês e poupá-los das bobagens que eu penso e escrevo. Não. Bem capaz!! Eu tenho que tragar um monte de merda ao longo do ano, tenho que ler coisas de gente que entende de futebol mais que qualquer dirigente, gente que acha que é a autoridade máxima do comunismo, gente que vive comentando a novela e o BBB, mais um monte de coisas piores ainda.

Eu só parei de comentar porque discordo de muitas das coisas que estão acontecendo e dos rumos que tomaram as manifestações. Virou um “contratudismo” generalizado. Eu tenho minhas opiniões, independente do que leio, mesmo lendo. Mas já percebi que não vou mudar a cabeça de ninguém discutindo ou escrevendo minhas opiniões pessoais na timeline do facebook. Aliás, em uma discussão tu podes ter só dois objetivos: 1. Tentar convencer e infringir tuas ideias à outra pessoa. 2. Tentar entender o porquê da outra pessoa pensar assim. Do primeiro eu já desisti. Discussão agora só na boa e velha mesa de bar. Discutir por facebook, além de perda de tempo, é covardia.

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Opiniões ao vento.....

O Maracanã, histórico estádio que viu a grande virada do Uruguai na Copa do Mundo de 1950 no maior silêncio da história, o primeiro título da LDU contra o favorito Fluminense, a vitória implacável do Internacional sobre o Vasco da Gama no jogo de ida para ser campeão brasileiro invicto em 1979, o Grêmio calando este mesmo estádio lotado em 1997 para ser campeão da Copa do Brasil contra o Flamengo, o Paul McCartney, pela primeira vez tocando no Brasil, para 184 mil pessoas em Abril de 1990... Pois bem, este Maracanã pode virar o maior elefante branco resultante do Mundial de 2014.

Que tipo de protesto burro seria não ir aos jogos da Copa e ainda pedir que os turistas não vão ao Brasil? Quem ganha com isso? Não é óbvio que um país despreparado, sem aeroportos, estradas, estádios, como o Brasil teria que gastar muito mais que os últimos 4 anfitriões da Copa, mesmo que somados? O que devemos nos perguntar é por que não ficou pronto tudo que gastaram para fazer, pra onde foi esse dinheiro, ocorrerá uma auditoria para saber por que os estádios estão tão caros, o que vai ser feito com estes estádios no meio do nada, etc... Não ir aos jogos? Boicotar o maior evento esportivo do planeta? Isso interessa a quem?

O que vai acarretar de ruim para o Brasil ter mais médicos, mesmo que estes cheguem de fora do país? Tem uma cidade no interior do interior do interior do Rio Grande do Sul que oferece 18mil reais para um médico trabalhar lá. Nenhum médico brasileiro quis. Os médicos estrangeiros aceitam trabalhar por essa “mixaria”. Então, por que não?? Chega a ser contraditório o CREMERS protestando contra a vinda dos médicos do exterior já que o slogan do CREMERS é “não se faz saúde sem médicos”.

Pedir a reforma política tem que ser pedir uma mudança na cabeça dos governantes. Pedir a cabeça e a mudança dos governantes não adianta, isso têm que ser feito de dois em dois anos, votando. Não esqueça: o protesto não precisa ter partido, mas os candidatos e a eleição sim.

“As pessoas querem te ver bem, mas nunca melhor que elas mesmas”. “Se ninguém te odeia, alguma coisa tu estás fazendo errado”. “Porque palavras não importam. Ações importam.” – Algumas frases do Dr. Gregory House, personagem interpretado pelo brilhante Hugh Laurie. Agora, interpretem vocês.

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Dica da semana:

Centro Cultural Recoleta (http://www.centroculturalrecoleta.org) – Sabe que ali ao lado do cemitério da Recoleta tem um dos melhores centros culturais da América? Eu não sabia. E sabe o que mais? Quase tudo de graça!! Até agosto ocorre uma exposição de fotos do John Lennon em Nova York, imperdível! Outra dica importante é o espetáculo Fuerza Bruta, que acontece ali (esse é pago). Ingressos esgotados até agosto, mas vale a espera!

Fábio Grehs
Enviado por Fábio Grehs em 06/07/2013
Código do texto: T4375393
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