Ditadura.

Acabo de chegar em casa. Estou cansado e integralmente estilhaçado. Não há palavras para mensurar o quão doloroso foi ver tudo o que vi e passar tudo o que passei. No que estou pensando, facebook? Estou pensando que nunca senti tanta vergonha na minha vida. Vivi horas de terror. E, mesmo tendo a ciência de que não iria morrer, mas que poderia ficar gravemente machucado, a sensação que tive foi de ser um rato. Um rato encurralado, prestes a morrer. Nem imagino a sensação de morte iminente, mas acredito que na minha cabeça, aquilo foi o mais próximo que cheguei e contarei a vocês como foi.

Chegamos por volta das 17h. Formamos nosso grupo e seguimos rumo à Presidente Vargas. Como queríamos chegar mais a frente, pegamos transversais para sair mais adiante na manifestação. Até conseguimos, mas em uma dessas transversais, quando estávamos indo para a manifestação principal, os policiais fecharam a rua. Ouvimos ao longe bombas estourando e o aglomerado desesperado vindo, correndo em nossa direção. Fomos instruídos por manifestantes mais experientes a não correr e assim fizemos. No entanto, as bombas não cessaram e, aos poucos, sentimos a ardência na garganta e as lágrimas involuntárias surgindo em nossos olhos.

Começamos a andar rápido pelas paredes, segurando uns as mãos dos outros. Nos perdermos de outros amigos e durante toda a manifestação tentamos nos comunicar via celular, mas as ligações não eram completadas. Me pergunto se isso tem a ver com as operadoras. Pois bem, cinco de nós conseguiu sair e voltar para a Presidente Vargas. Contudo, algo nos confundiu. As pessoas seguiam para o lado oposto à Prefeitura. Logo entendemos que a polícia reprimia e vinha fazendo com que todos os manifestantes voltassem. Ouvimos mais bombas. Tentamos, ainda assim, seguir adiante, indo contra o fluxo. Gritos foram dados. Cantamos muitas vezes com orgulho o hino do Brasil. Um espírito ascendia em mim, algo que eu nem imaginava. Acho que isso é que se chama nacionalismo. Isso que se chama ter Amor e querer defender a sua pátria. Tentamos, em vão, ir contra o fluxo, mas era impossível. Cedemos e viemos andando.

No caminho, mais gritos, mais músicas, mais indignação. Nos prédios as pessoas apagavam e acendiam suas luzes, num claro incentivo ao manifesto. Empolgante. Não tinha outras palavras. Não tem como descrever tamanha alegria e felicidade. Ao vermos um dos vândalos depredando uma placa de trânsito, todos chegaram nele em protesto. O infeliz chegou a descer com o skate e ficar cara a cara comigo e, sem pensar em consequências, o encarei, com as mesmas insinuações verbais. O mais complicado é pensar que dentro dos manifestos, nós somos contra nós mesmos, apesar de todos quererem o mesmo objetivo.

Ouvimos notícias de que queimaram o carro da SBT. Ouvíamos mais bombas. Pessoas invadindo lojas. Um caos começando a reinar. Tudo estava tranquilo e indo bem. Eu achei que tudo correria bem. Pobre alma. Não sei ao certo quando começou, mas sentimos o gás lacrimogêneo e a pimenta. Pessoas desesperadas. Correria. Desespero. E esse ciclo não tinha fim. Era questão de minutos até vermos todos correndo e sendo acalmados de novo.

Com muito custo, chegamos até a frente da Candelária, depois de muito andar. Sentamos, esperamos. Íamos encontrar os amigos perdidos, mas então veio a fumaça, veio a multidão e logo éramos nós seguindo o povo pelas ruas estreitas, tentando achar um caminho e lugar seguro para ficar. Chegamos à Rua do Ouvidor.

Meus caros, a sensação de morte que senti foi aqui. Éramos cinco, segurando uns nos outros para não dispersar. Estávamos andando para ir até a Alerj e achar algum lugar para ir quando ouvimos uma bomba na frente. Não só uma, várias. Íamos voltar, mas escutamos mais bombas atrás. Gás lacrimogêneo, pimenta. Desespero total. Estávamos encurralados e sem lugar para ir. No medo, um bocado de pessoas avançou sobre uma parede de alumínio para tentar arrebentá-la, nem sei se conseguiram, ficamos parados, esperando apenas a polícia aparecer. Esse era meu maior medo: A polícia. O órgão que deveria nos proteger e que estava nos reprimindo, claramente abusando do poder que lhe foi dado.

Depois de ir para frente e não conseguir, tentar voltar e não conseguir, ouvimos tiros. Balas de borracha. Alvoroço. Retornamos, corremos muito e, mais uma vez, voltamos para frente da candelária, mas afastados, sentados em uma escada de um prédio que não prestei atenção no que era. O meu maior medo se concretizou ali, naquele momento. Fumaça subindo aos ares, nublando toda paisagem por detrás de sua forma opaca, aos poucos se tornando rarefeita. Um PM veio até nós. Pra falar a verdade, nem reparei se era PM ou da BOPE. SIM, A BOPE ESTAVA LÁ! Esse indivíduo veio batendo as mãos proferindo as seguintes palavras: “Saiam daí. Anda, sigam pela Presidente Vargas. Nós vencemos. NÓS VENCEMOS”.

“Nós vencemos”? Isso perdurou a minha cabeça todo o caminho de volta pela Presidente Vargas até alcançarmos o metrô. Não fosse só por isso, vimos o Caveirão passando, PMs em seus carros apontando as armas para fora. Em alguns intervalos de tempo fomos obrigados a correr, pois, detrás, estavam atirando bala de borracha. Desesperador. E isso não resume os sentimentos e pensamentos que se seguiram na minha cabeça.

Por sorte, por Deus, ou por seja lá em que você acredita; nada nos atingiu. E nem sei no que estava pensando direito, só queria e pedia para que ficasse tudo bem. No caminho todo de volta até chegar o metrô os pensamentos que mais consigo me lembrar eram: “Isso é realmente uma democracia? Fomos completamente reprimidos, massacrados, humilhados. Pessoas se feriram a troco de nada? Venceram? Eles venceram? Não... Mas... O que fazer agora? Eu senti o terror na minha pele, senti a adrenalina, senti medo. Isso não é uma democracia. Isso é uma ditadura. Nós que não havíamos notado antes. E, ainda assim, será que vai mudar?”

Fiquei desacreditado e até agora estou. Não consigo concluir muito bem a noite de hoje. Perdoem os erros de português e o texto longo. Mas se leu até aqui, leia mais algumas palavras apenas, porque isso é importante e é sério.

O protesto não é pacífico. Pessoas se machucam, e se machucam muito feio. Não é brincadeira. Ir para desfilar e socializar com as pessoas por lá pode ser completamente arriscado e, no entanto, foi o que mais vi. Pessoas conversando, rindo, como se aquilo fosse carnaval. Gente! Bombas, gás lacrimogênio, pimenta, gás de efeito moral, balas de borracha! Todos tinham que passar por isso para verem o quão sério é. É lindo? MUITO. Foi lindíssimo e com uma causa muito nobre. Mas foi horrível também. Foi feio. Foi humilhante. Um massacre disfarçado pelas mídias de Tv que não mostraram o que realmente aconteceu.

Sinto pelo os que ficaram após a dispersão da população. É nessa hora que eles aproveitam para cercar e maltratar. É nessa hora que há mais abuso do poder. Pessoas foram presas e feridas gravemente. Isso não é brincadeira. É assunto sério. E um conselho meu: Só vá se você estiver disposto a arriscar a sua vida, porque se um estopim acontecer, você pode não ter feito nada durante a passeata inteira, mas os militares não querem saber disso. Baixam o sarrafo mesmo e que se foda.

Eu estou desacreditado. Paralelismo sintático. Viu como você ensina sim as coisas, professora? Por que um comentário tão inóspito? Lembrei dos meus professores. Lembrei da saúde pública. Lembrei da educação. E faço essa pergunta a todos vocês:

É mais importante que haja uma copa mundial aqui ou uma organização social que mude toda a estrutura do nosso país?

Meus caros, hoje eu vi que pra guerra civil só falta um Francisco Ferdinando acabar sofrendo, lamentavelmente, a morte.

Nunca mais olharei para fardados com os mesmos olhos. É só isso que consigo exprimir do tumultuado que está aqui dentro. Ainda sinto que tenho muito o que pôr pra fora, mas não há como fazer isso com palavras. Esperemos pelo melhor, e que tenhamos força para seguir adiante com os protestos mesmo com toda essa repressão.

Pessoas do meu Brasil, uni-vos.

A H
Enviado por A H em 21/06/2013
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